sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O misterioso caso do Ocaso

Foto de Zim

Ocaso, quase partida ainda não é ir, mas por outro lado também não permite tão plenamente ficar. Ficar. Ficar e procurar não se anulam entre si. Entre mim e si, quanto chão. Quanto céu. Todo o verde das folhas que cantam de saudades, todo o verde do limão. Lembra-me o Jack Kerouac, nesta simples pergunta que me adensa tão poderosamente: "Onde está ele esta noite, onde estou eu, onde estás tu?" Há sempre uma melodia entristecida a do ocaso da minha amorosa estadia na aldeia. Mas enche-me o coração saber que aqui fica, e que aqui tornarei. Sempre, e sempre um pouco para sempre.

E o seu anseio, dilecto leitor? E o seu tornar, é onde?

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Para descomprimir...

Foto de Zim, Tacto

...a beleza deste corte a sangrar sol e um luminoso silêncio.

As pilhas da Ira



Racha-te TV, em nome de Zim! Vou repetir muitas vezes.

Há muitos anos atrás soube que os telespectadores italianos, através de uma associação específica, julgo eu, pretendiam processar a televisão italiana por causa da poluição sonora insuportável do volume dos anúncios entre os programas. Nunca soube em que ficou o intento mas, já na altura, a ideia pareceu-me maravilhosamente civilizada.

De facto, se há coisa que me deixa capaz de pensamentos ultra-raivosos, ultra-virulentos e ultra-violentos é o som da interminável chatice dos anúncios de TV, e olhem que vejo mesmo muito pouca televisão. Com que direito os gestores, ou editores, ou produtores, ou lá o que sejam as gentes responsáveis pelo que nos chega via verboso elecrodoméstico nos fazem ouvir mensagens, grande parte dos casos parecendo dirigidas a débeis mentais, aos gritos e, para completar o enlouquecimento a que certamente nos pretendem votar, rindo-se muito diabolicamente, também certamente em alguma secreta cabine, salinha de brainstorming/brainshit, com umas musiquinhas para lá de irritantes, estridentes, repetitivas até querermos bater com a cabeça dezenas de vezes na parede mais próxima, como vistoso e chamativo pano de fundo?

Temos, portanto, uma questão de forma e de conteúdo a abater. Entendam, a abater. Quero archotes, quero milícias. Façam alguma coisa. Agarrem-me, escondam as armas. Sinto ódio e cogito vinganças excêntricas e sagazes, com teor inolvidável de faceira maldade. Ah ah ah ah ah ah ah (riso muito mau).

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Mantra - repetir pela eternidade

Que não se violente o feto, que não se espezinhem as flores, que não se esqueçam os cidadãos antigos, que não se vislumbre fraqueza, que não se matem animais para lhes comer as carnes nem para coisa alguma, que não se roube o alheio, que não se ignore a dança altiva e cerimonial das copas das árvores, que se sossegue em paz, que não se caduque a esperança e que não falhe o amor.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Doces Duros*

Allen Ginsberg

Todos nós gostamos e precisamos de conforto, tranquilidade, suavidade - não direi doçura uma vez que há seres que, não obstante sencientes, desmaiam perante a antevisão de um vocábulo como “doçura”, que às suas mentes pragmáticas ocorre como um espectro vagamente "vooduzante" e para todo o sempre enfraquecedor das suas almas viris.

O certo, porém, é que há pessoas e, mais precisamente, artistas e escritores que nos tomam não pelos seus contornos mais amenos, por uma qualquer empatia de simpático enleio, mas pela dureza que nos mostram nas suas palavras, quadros, filmes. Pela crueza da forma de se aliviarem pela expressão, como se da satisfação de uma premente necessidade fisiológica (e não o será também?) se tratasse. Da nua tristeza que, de bandeja, nos oferecem nas suas evocações, no tropel das suas memórias, na vaga inconsistência do seu devaneio, por vezes em pueril voo rasante às nossas próprias fantasmagorias, halo permanente da nossa fraca e condicionada definição física, em nome e através da sua vitalidade fatal. Falo de Pedro Almodovar, Clarice Lispector, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Egon Schiele, Jack Kerouac, Federico Fellini, Jean-Luc Godard, Arnaldo Jabor, Carlos Dummond de Andrade, Michele Placido,  Fernando Pessoa, falo sobretudo de Allen Ginsberg. Desses que tantas vezes nos dão guarida quando pensamos que é às suas obras que arrumamos em nossas casas ou nas nossas retinas.

A sua dureza, que se faz doce depois do choque frontal dos nossos pensamentos com os seus, das nossas emoções com as suas, fá-los também nossos irmãos nesta grande fraternidade da dor e de uma avidez inapelável que não se esgota no submundo das nossas veias e que se chama mistério.

Falarei de outros, eventualmente, muitos outros. Inomináveis agora, falo de anónimos, de todas as almas ledas e puras, mais ou menos insanas, pecadoras e aflitas que nos lembram com um talento desconfortável e com zero ergonomia o quanto é transtornante e comovente existir.

* Não escrevi Doces Bárbaros porque não gosto cá de plágios/faltas de imaginação.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um momento de prazer (totalmente inculpe)

A alegria das boas antecipações
Deixar o leite de soja derramar-se na cafeteira com aquele burburinho delicioso. Aquecer. Abrir a caixa do cacau e deixar expandir o cheiro do pó magnífico. Mimar o olor, deleitar todo o campo de visão naquele apetitoso deserto. Deitar duas, três, quatro...colherzinhas de cacau na caneca. Adicionar açúcar. Verter a soja, deixando que a sua claridade se tinja do pó. Apreciar a textura cremosíssima da soja aquecida, inspirar a caneca com alguns pedaços de cacau ainda mal desfeito a flutuar mansamente. Antecipar o prazer. Beber. Repetir. Amar.

*Aguentem a semana. Estou de férias mas envio-vos o conforto possível. Deve ser duro ir trabalhar...

Eu veto - e os meus leitores?

Para a fealdade dos maus atendimentos
Não sei exactamente o que pensam sobre isto, mas a mim revolve-me não menos do que as entranhas a falta de profissionalismo, mais ainda a falta de cortesia e de educação. Isto para especificar que odeio a prestação de maus serviços. Atendimentos com ar de favor, cabecinhas  totalmente desprovidas de discrição, atenção e rigor, aspecto bexigoso e remelento, que derruba o apetite ou a vontade de fazer compras de qualquer um, o olharzinho sobranceiro género "faço-te a sandes mas não penses que sou tua criada e, se queres mesmo saber, acho que deves pensar que és muita boa mas não passas de uma reles cliente que ajuda a pagar o meu ordenado e o meu serviço de m....", entre outras prendas.

O triste é que presenciamos estas alminhas diariamente na loja de roupa, no café, no restaurante, na bilheteira, etc.. Estão por todo o lado como pragas inabaláveis e imorredoiras. E não me venham com a conversa do coitadinhos ganham tão poucochinho. Se aceitam o trabalho, devem honrar o seu dever de forma aceitável. Não estão satisfeitos...há mais quem queira e quem seja mais simpático, prestável e competente, ora! Ocorrem-me flagelos, requintes torturantes, penas máximas, terrorismo psicológico por dez anos seguidos (dia e noite), mas acabo sempre por chegar a uma solução mais simples: se achar que se justifica, e cada vez o acho e faço menos, peço o Livro de Reclamações (nome excelente para um blog, se ainda não existir); se não, não volto ao sítio em causa, veto, risco das minhas opções.

Cada vez mais, na justa proporção do quanto somos mal atendidos por serviços que pagamos, é precioso termos presente que o nosso dinheiro tem poder. O bíblico "pouco de muitos" é muito, digníssimos leitores, e podemos não contribuir para o que não for correcto, satisfatório, prazenteiro, and so on, and so on. Isto aplica-se a tudo. Não quero contribuir para maus serviços como me recuso a contribuir para a exploração animal ao não consumir, desde há uns meses, carne, peixe e outros animaizinhos, como não contribuo para audiências de programação degradante (bom, quase nunca), como quisera não ter de contribuir para o assassinato constante de seres inofensivos sob o nome de "interrupção voluntária da gravidez", ou seja, aborto voluntário. Mas há coisas em que podemos, efectiva e praticamente, vetar; é o termo.

Pelo exposto, frequento cada vez menos ou nada certos lugares, sou cada vez mais criteriosa nas minhas escolhas e absolutamente amo estar em casa (sempre amei), sozinha ou rodeada de pessoas de quem gosto, em momentos íntimos e tão especiais, ao invés de aturar a triste mundanidade do servicinho manhoso.

Em suma, há o mínimo: respeito, educação e uma apresentação decente(zinha). Não havendo: não contem comigo nem com o meu "pouco". Se todos agirem assim, vamos ter cada vez mais o poder de exigir e seleccionar o que se deseja: um bom serviço. Vamos a isso?

domingo, 25 de setembro de 2011

Dilema(s)

Para cima?
Se tenho paciência não tenho rasgo. Se tenho rasgo, não tenho paciência. Se por um dificílimo acaso ambos se me reúnem, não tenho pc. Se tenho paciência, rasgo e pc, não disponho do belo Cronos. Se miraculosamente paciência, rasgo, pc e Cronos baixam em Zim, aterra, cúmplice e concomitante, uma enxaqueca endemoinhada. Se paciência, rasgo, pc, Cronos e cabecinha sã picam o ponto, disperso-me na multi-oceânica net e nos seus submundos plenos de verbosidade, acinte e cores garridas. Porém, à escala transgressora da possibilidade de se verificarem paciência, rasgo, pc, Cronos, saúde, concentração, não raro ocorre também a verve entorpecida. Ok, mas também é possível, siciais Vós timidamente, embora carecedor de complexas manigâncias astrais, que paciência, rasgo,  pc, Cronos, saúde, concentração e verve respondam favoravelmente à chamada. Nessa fina camada potencial, contudo...falharia a placa banda larga e lá se perde a rede no vasto oceano de incompreensão informática. Mas se, por seu turno, paciência, rasgo, pc, Cronos, saúde, concentração, verve e placa banda larga forem um só em termos de mirabolante "maquinaria" criativa...Nesse caso, complicação adicional e das mais irritantes vem a dar-se com o adaptador que, desenroscando-se do terminal que liga ao pc, manda tudo abaixo, incluindo textos por gravar. Ok, ok, percebo o que querem dizer: com paciência, rasgo, pc, Cronos, saúde, concentração, verve e adaptador a bombar, eu seria feliz para sempre. Bom, lamento desiludir-vos. Se isso acontecer o telemóvel vai tocar e quando voltar à minha lida foi tudo abaixo de novo (paciência, net, tempo, etc.)... Mas na loucura...na loucura de paciência, rasgo, pc, Cronos, saúde, concentração, verve, adaptador e sossego concorrerem para um grande momento de assunção da escrevinhadora que há em mim, aí sim...aí seria raro e digno de ser aproveitado ao máximo tal exótico paradigma. Claro que...Claro que (não há mesmo um mundo perfeito) havendo paciência, rasgo, pc, Cronos, saúde, concentração, verve, adaptador e sossego, fatalmente adormecerei sobre o écran. Como agora. Diacho. Ainda tenho de mudar de ramo!

sábado, 24 de setembro de 2011

Sai posta poética



 Primavera, de Sandro Botticelli (c.1482). Também conhecido por Alegoria da Primavera.
 
Primaverve

Sente
A Primavera vem rente
À tua pele nua e cara
À tua pele de serpente
Sente
A Primavera desmente
Nos seus bailes rituais
Que tu do quarto da vida
Do cosmos da lida
Nada queiras mais
A Primavera é correio
É desmesura, sinais
De que o inteiro nos conclama
Dentro da artimanha-ossatura
Do esqueleto do intelecto, dos porões resignados
Aos escuros encimesmamentos
Trancados na funda e finita letargia
Da estação do oblívio
Vem
A Primavera é alívio
Corola, desejo, istmo
Que nos separa da ínsula dos Fevereiros
Sente
A Primavera é da gente
O grande sol brotará do teu peito
E como flor no deserto
Beber-te-á todo o pejo de amar
A dança da vida por si só
Tem dó
Tem dom
Vem

(TZ)

*Também publicado no blog Serpente Emplumada a 05-01-2009. Nada melhor do que saudar o Outono com um aceno primaveril e primavervil. Agora saiam dos pc's. Arredem e vão à Vida.

Eu te Amo


Ouvi dizer que as críticas ao novo disco do Chico Buarque, intitulado Chico, não eram lá muito famosas.   O disco, editado este ano, veio quebrar o jejum de cinco anos  (que tirada mais déjà lu...) de originais do enorme carioca. Na verdade, nem vi grande coisa quanto a críticas, e confesso que não estou muito curiosa. A minha resposta é-me dada quase a cantarolar, ao som da voz licorosa do Chico, dentre a maciez e a delícia da lírica e das harmonias maravilhosas que nos tomam ao longo de dez faixas rápidas mas com nutrição a jorros. Isto, parte A, para dizer que gosto muito de mais esta aparição.

Como parte B, tenho de explicar que o que para mim representa o melhor da música popular brasileira (passarei a minha vida a fazer odes e sonetos ao género, pelo que outros posts desfilarão por aqui nesta peugada temática), não é apenas a minha música preferida, mas uma das "coisas" que mais amo. Ultrapassa, portanto, a vertente artística, embora a contenha em todos os seus preceitos, eleva-se à dimensão estética e sentimental e, por isso, volta aos meus canais de sensibilidade e de intelecção aportando muitas outras coisas para além de si. Essa emoção e essa imensidão precípite e fundamental  justifica que para mim entes como o Chico Buarque sejam já muito mais do que apenas artistas da canção. Para mim são artífices da pura beleza, e precisaria o Chico de fazer um disco que realmente me desapontasse para que eu lho "cobrasse". Quem atingiu culminares de deslumbramento com obras de arte como Construção, Tatuagem, Atrás da Porta, Eu te Amo, entre muitas, muitas, muitas outras, não pode estar constantemente a produzir apenas picos de exaltação sob pena de implodir! E de fazer-nos implodir. De desapercebermos as particularidades de todos os seus sabores. Hoje em dia, ouço as suas produções, as do Caetano, as do Gil, entre muuuitos outros, e  agradeço-lhes por continuarem a dar-nos tamanha qualidade, beleza e, muitas vezes, supreendente matéria. Recomendações aos críticos: à semelhança do que "exigem" aos fazedores de arte, mantenham a  frescura de perspectiva e a lucidez de apreensão, no contexto de cada criação e de cada criador. E isso, reconheço, é difícil.

Mas não serve a parte B para, por A mais Z, justificar coisa alguma quanto ao Chico do Chico, senão para reafirmar que ele continua o Buarque do nosso deleite, e que não devem perder (mais) esta saborosíssima experiência de resgate.

Como exemplo, aqui fica a canção Se eu soubesse, um dueto com Thaís Gulin. Belo par.

Ganhavam 4 a 0 o camandrinho

Coentrão Coentrão, prognósticos só depois do jogo...

Portoooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Alegorias ou a mastodôntica incompreensão

TZ -  Sabes...estava a pensar.
X - (Respondeste tu? Assim respondeu X.)
TZ - Estás a ouvir?
X - Sim TZ (arremelgadamente).
TZ -  Sabes, eu acho que precisas de mergulhar em ti. De te aprofundar em ti. De auto-conhecimento.
Silêncio sepulcral.
TZ- De mergulhar em ti, entendes? (A repetição é a mãe da retenção.)
X  (Lançando olhar esgazeado das penumbras do sono) - Não comeces com o c.......do tofu e do seitan!

Palavras para quê?

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A Terapia Nacional

E Tamborim Zim, nunca te esqueças...toma conta de Tara!...


A partir de determinada idade, diria talvez dos 30 anos (já que, em geral, considero as idades anteriores mais votadas ao Não Pensamento activo), devíamos ter sérias restrições aos devaneios e, pior, aos planos que nos ocorrem ao encéfalo quando este se encontra sob uma noite estrelada, em harmonia de natura e paz e grilos. Obviamente, o carácter melífluo de alguns momentos pode bem disfarçar a carga de trabalhos que forçosamente (entendam, forçosamente) se avizinha caso o romantismo saia da redondilha que já entretinham no vosso singelo idear para o plano da realidade.

Ora bem, estando eu imbuída, conforme o post de ontem permite aferir, do mais cândido espírito campestre, cogitei ontem à noite (uma noite boníssima, por sinal…eis todo o perigo), proceder à limpeza de uma estrada que já se atulhara demasiado de urzes e verduras hirsutas que tais. Como, segundo o poeta, “não há machado que corte a raiz ao pensamento” (verdade), hoje mesmo comecei a seleccionar os materiais que melhor me pareciam poder operar  a intentona. Como se, na verdade, não fossem os meus braços e costas e pernas a dar a foice ao manifesto. Mas eh bien…Lá comecei a mirar utensilagens inomináveis e alfaias mais familiares, e coloquei escrupulosamente de lado um machado, uma espécie de tesoura, um serrotezinho catita e sem ar ameaçador, dois pares de luvas capazes de já terem sido usadas por mil linchadores em quarenta mil linchamentos, um sacho e um ancinho. À falta de armamento não ficaria o projecto por realizar, e lá segui com a mochila e com o lanche e com todo o descrito rumo ao meu terreno de intervenção.

Deitei mãos à obra e depressa percebi que não me safaria com a espécie de tesoura nem com o serrotezinho catita, sendo mesmo duvidoso que o machado, não obstante não me cortar, em definitivo, “a raiz ao pensamento”, pudesse ali instituir alguma ordem sem que eu partisse a espinha de glúteos para o ar até conseguir desancar alguma coisa em condições com aquilo nas mãos. Agarrei-me ao sacho com aquela entrega dos fiéis e…sim, a terra cedia. Na verdade, a terra, as pedras, as raízes, a urze, (as minhas cruzes), as silvas, as ledas acácias infantis, enfim, depressa me edifiquei na certeza de que estava em ritmo matador e que um futuro a roçar mato até poderia vir a ter a sua graça.

As horas passavam e começava a endireitar-me com mais dificuldade, mas isso não me intimidava nem embotava a avidez das sacholadas homéricas que desferia em tudo o que entupia  a bendita e comprida  estradinha. Cheguei mesmo a ter pena daqueles seres arbustivos que, sem outra culpa que não a da sua simples existência, eram ali estraçalhados sem piedade. Pegava em arbustos grandes, arrancava raízes com as mãos enluvadas (duas luvas em cada mão, que sou da cidade), atirava troncos enormes ribanceira abaixo. Um saborzinho de sal chegou-me entrementes à língua semi-emudecida e, sim, acabava-me em suor.  Mas o resultado valeu a pena: estrada plenamente transitável por uns bons tempos. Admirei o feito, fotografei, exultei estafadamente.

Arrisco uma ideia: troquem as vossas colecções de neuras, tédios ou spleens por umas horas a limpar as matas deste nosso Portugal. Naturalmente que é desnecessária a desflorestação total, pelo que devem encontrar escapes complementares, mas a verdade meus amigos  é que…a pessoa atira ali com umas boas toneladas de frustração sedimentada para as profundezas do matagal. Experimentem, e brindem ao ano internacional da floresta. Eu também brindo com dois Flameril.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Declaração de Amor

Foto de Zim


Sempre intuí, seguramente muito antes de pensar, que o mar impele à partida, e o campo ao recolhimento, a ficar.

Ao longo da minha infância, adolescência, e juventude adulta, tive a sorte de ter longas férias de Verão entre a praia e o campo, a Terra. E a Terra, que emula com o próprio planeta nesta abundante designação, é a terra que viu o meu Pai nascer. Uma aldeia para onde os meus pensamentos mais puros e iniciais sobre Natureza, Campo, enfim, Paraíso terreno, são prontamente convocados, uma espécie de pureza à desenho animado, nesses onde há gnomos e borboletas cintilantes e água de riachos a reverberar miríades de formas e cores. Não faltam no cenário as congeminações de fábula. A aldeia, as lembranças da aldeia, da tão velha e tão mágica casa antiga, as nossas memórias mais pessoais, consubstanciam um património de inigualável riqueza no meu coração e luzeiros indefectíveis do meu sonho.

Tenho a certeza de que um dos fascínios da natureza, e em particular no que à floresta respeita, reside na majestosa temporalidade que ecoa pelas suas sendas, sombras, colinas. Olho para o velhíssimo carvalho, para o encantador verde profundo do cedro, reconheço a pedra no caminho de há décadas. Sei que me sobreviverão. Companheiros de síntese de imaginários e da mais eloquente tangibilidade, assim são os carreiritos, as acácias, os pinheiros, a flores, algumas casas, os ruídos da noite, profetiza de auroras de vida silente a subir do chão. Também a lua e sempre o sol.

Não sei explicar. É um ímpar perfume de universalidade a pousar irreversivelmente (fossem tão doces todas as irreversibilidades),  na intimidade destes vales, nos muros centenários e no meu coração.

Foi dentre estes verdes e cantos de passarinhos que nasceu a Alegoria da Primaverve, durante umas bem-aventuradas tréguas que a cidade grande me concedeu sob o nome de férias. E em tão bons ares só pode dar-se coisa boa!

Psssst

Foto de Zim


Ei, usted aí…não, não é atrás de si, é mesmo usted-usted:

A sua sede é o seu rio. Existe para navegar.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Vegetar é preciso

"In-cinta", escultura de Rabarama, fotografada por mim

Quem sou eu para contrariar o Pompeu, mas tudo neste mundo cheio de alcatrão, ferro e coisas hediondas nos dita pressas, empresas, compressas, compras ávidas de sonhos, feitos industriosos e glórias para divulgar aos quatro ventos. Tudo muito rápido e muito cansativo. Já dizia o Kundera acerca da importância dos caminhos sobre as estradas, mas insistimos em não querer entender. Falta-nos detenção. Não me refiro à vista do sol aos quadradinhos, se bem que há muitos a precisar dessa contemplação. Refiro-me à necessária paragem, até a um certo “prazer do ócio” (desculpem a tirada literária mas agora lembrei-me do Hesse), que tanto contribui para o nosso bem-estar, para a nossa saúde, para  a incomparável actualização da compreensão e do pensamento. Essas coisas levam tempo. Para sentir, para reconhecer as emoções e para descobrir caminhos. Há que dar uma folga a esta auto-estrada existencial em que pespegaram connosco. Vamos degustar o tempo para que este não nos brinde com o que faz o carcará na canção com o mesmo nome: “Carcará num vai morrer de fome/ Carcará mais coragem do que homem/Carcará pega mata e come”.

Há que soltar para deter. E acho duvidoso que nos detenhamos sem nos soltarmos. Ai o sarilho...

Feel the beat...

Auspiciosa, soberba a inauguração musical da Alegoria da Primaverve. A ginga inteligentíssima da Fernanda Abreu aqui com esta Rock With You (with me, really??), de Rod Temperton e, sim, gravada pelo Michael Jackson. Cheia de verve.


Setembro de 2021, a Grande Entrevista – Uma Fantástica Antevisão

Jornal “O Inimaginável” - JI
Tamborim Zim - TZ

JI - Muito obrigado, TZ, por conceder-nos esta amável entrevista…finalmente conseguimos agendar!
TZ - Eu é que agradeço, obrigadíssima.
JI - É irresistível esta primeira pergunta: dez anos de blog, zero comentários, zero seguidores e aproximadamente zero leitores. Como é que se consegue esta proeza?
TZ- Bom, foi com muito esforço, é uma situação que, em boa verdade, não podemos atribuir a uma mera  sorte ou ao acaso. É muito cuidado em cada post, muito de mim, é coração aberto. Penso que isso explica tudo.
JI - A Alegria da Primavera está precisamente há dez anos no TOP planetário dos blogs menos lidos. É um motivo de orgulho.
TZ - É o JI quem o afirma…(risinhos glamourosos). Deixe-me só rectificar: o blog chama-se Alegoria da Primaverve (e não tem “A”)...
JI - Oh!...Cof…Peço imensa desculpa. E…hum…era uma pergunta.
TZ - Ah…Mas claro que sim. Não seria capaz sozinha, obviamente, e por isso serei eternamente grata aos meus não leitores, não comentadores e não seguidores. Quando comecei nunca imaginei no que tudo isto se poderia tornar.
JI- Compreendo. Arrisco, no entanto (e não deixa de ser um puro especular), a colocar-lhe esta questão: ao incluir um espaço de comentário no seu blog não corria o perigo de vir a ter, efectivamente, comentários? Pequenos incentivos, achegas, um pouco de tudo, enfim.
TZ - Sim, mas não podia deixar de ser. As pessoas precisam de saber que podem comentar. É certo e sabido que o fruto proibido é o mais apetecido, ao que neste caso podemos acrescentar que a galinha da minha vizinha é sempre melhor que a minha.
JI - Perdão, não percebi essa última analogia.
TZ - Cof, foi lapso.
JI - Como é que vê o sitemeter?
TZ - Vejo bem, tenho sempre seleccionado a 100%. Estes bichanos dão-nos cabo da vista…
JI – Bem vejo. Mas como é que assiste aos elevadíssimos índices de popularidade de vários blogs e dos seus autores?
TZ - Há-de ser complicado, penso eu. Deve ser extremamente duro uma pessoa entrar numa profunda reclusão criativa, de si para si, finalmente dar à luz essa obra, esse filho, e depois concluir que afinal toda a gente acede, comenta, acrescenta pontos, etc., à nossa interioridade. É sem dúvida uma crise de costumes da contemporaneidade, e reconheço que é difícil escapar a isso. Nem todos conseguem.
JI - Em nome do JI, desejo-lhe a continuação dos maiores sucessos para o seu blog, Alergia da Primavera, sem “A”… (Gentil sorriso cúmplice).
TZ- É Alego…(Atchim!) Ora, deixe estar. Eu é que agradeço, bem-haja!

A Efeméride


Follow the wonderful Wyzard of Zim!

Queridos amigos e ilustres desconhecidos, é real! Aos vinte dias do mês de todos os regressos do ano de dois mil e onze, eis-me aqui, Tamborim Zim, a estrear o meu blog (sim, escrevo sempre sem “ue”). Saúdo, pois, este mirabolante mundo de arrobas dóceis e permissivas que nos juntam e inspiram partilhas certamente muito boas. Como leitora, pelo menos, posso atestá-lo.

Não posso deixar de exprimir nestas linhas iniciais uma sensação de completa perplexidade: não pensam, como eu, que é uma incrível coincidência encontrarmo-nos por esta via neste milénio, neste século, nesta década, neste ano e neste mês e nestes dias? Não sei porquê, mas acho que podemos fazer alguma coisa com isso…(E vou fingir que não dei conta do vosso ar céptico perante a, volto a dizer, incrível coincidência registada.)

Sobretudo não me achem quezilenta, sou uma pessoa muito sensível e totalmente admiradora das grãs virtudes. Previno, deste modo, qualquer apontamento mais impetuoso, quero dizer, embirrante, vulgo, colérico, que eventualmente possa desprender-se, cof cof, depreender-se destas páginas.

Sejam bem-vindos. Vão buscar uma bebida de aveia, distendam-se no divã, recubram-se de paciência e participem desta alegoria.

E, desde já, muito obrigada por todas as visitas à vossa nova vizinha. Sempre que se lembrarem de passar aqui na ru@, já sabem, não fiquem à porta.