domingo, 9 de outubro de 2011

Afinal é a brincar (que a gente se entende)

Jogos Infantis, Pieter Bruegel (1560)


Lembram-se do post A Terapia Nacional ? (Bem me parecia que não...) Mas aí salientava as manigâncias da noite, daminha sempre faceira e acetinada, prontinha, especialmente quando bela, a fazer-nos escorregar para a mais boçal das figurinhas.

E é talvez esse noctívago espírito que me fez voar o pensamento, já de si tão apto a voejar, para a grande e feliz rambóia de um quadro do Bruegel de que gosto muito: Jogos Infantis. Se é certo que as criancinhas são, em geral (duas palavras da maior utilidade, salvíficas mesmo, "em geral"),  de uma pestilência negro-bubónica sem limites, também não é mentira que estas 84 brincadeiras registadas na tela são das coisas mais sedutoramente gaiatas que se pintaram. Pião, cavalitas, cabra-cega, de um tudo os alegres trombadinhos (lembro-me de uma das minhas musas, Feodora Abdala, na novela Sassarincando) executam naquela praça cheia de movimento e de cor. (Contudo, contudo...dir-se-ia que o próprio cenárico brinca numa caprichosa gangorra entre o movimento e a quietude, qual teatro, qual partida pelos séculos ao impressionado observador.) Dá-se praticamente o perigo de podermos vir a gostar dos pequenotes. Mas é a noite, tenra é a noite, tenra é a noite...Tarada deveras.

Sim, somos crianças toda a vida. É vero. É certamente uma benção reconhecermos em nós essa substância de coisas tão agitadas quanto doces, tão remotas quanto imorredouras. Mas é também um momento em que o nosso "um" mais íntimo se retorce de alegria doida e muito ufana quando alguém reconhece, por via de um olhar, um trejeito, um monossílabo com um certo açúcar dentro, a nossa dimensão infantil, o nosso "jogo infantil" em situação. Dá-se assim um não sei quê de ternurento entreolhar, dois sorrisos acutilantes e tácitos, uma solene e magnânime certificação, talvez mais sedutora do que seduzida, da sã loucura de nunca sermos totalmente crescidos. Faz parte da perspicácia do humor e de uma benfazeja empatia entre seres.

Agora aproveitem o Domingo cujo soalheiro amanhecer em breve surgirá, como pãozinho quente e estaladiço, do forno desta noite de Outono, para identificar cada uma das 84 brincadeiras do quadro do Pieter. Não sejam calinas.

2 comentários:

Pagu disse...

Não consegui descobrir nenhum moleque a jogar à bola.

Ora, não é a futebolada a maior brincadeira de todas?

E Tamborim, permite-me só uma ressalva. Da forma como este mundo anda doido, já nem a brincar a gente se entende. Em primeiro lugar porque ninguém sabe brincar, em segundo e mais triste ainda, porque já não existe gente. Existem apenas autómatos, formatados, sem ideias ou vontade própria. De seres humanos, resta-lhes apenas a forma. Tenho dito

Tamborim Zim disse...

Hum, compreendo o desabafo Pagu, há realmente muito espécime abestalhado. E alienado, e formatado e sem vontade própria. E agora (só para irritar, claro), pergunto: até que ponto cada um de nós não enche o Planeta com tudo isso? Be the change...A mudança do Mundo teria de passar por todos nós. N somos pequenos demais p isso, somos os responsáveis.

Quanto à futebolada, até que é uma coisa instigante pá.