terça-feira, 11 de outubro de 2011

Doces bravos

Patrícia Acioli

Eu estava alegre e vinha aqui escrever coisas alegres, risonhas, vitais. Mas acontece que fui primeiro ao Sapo, e uma das notícias em destaque diz que 11 - ONZE - polícias foram denunciados pelo Ministério Público brasileiro por envolvimento no assassinato da juíza Patrícia Acioli, no dia 11 de Agosto deste ano. Chegava a casa, em Niterói, dentro do carro. 21 tiros. O fim de uma vida aos 47 anos de idade, o término de uma longa e intrépida luta contra a corrupção policial (como se atrevia, justamente no Brasil?!...), grupos de extermínio, etc.. Com ela iam dentro, e não é à toa que se diz que houve polícias a celebrar com churrasco a sua execução. Pelo menos uma alta patente militar envolvida na hedionda conjura. Uma protecção deficitária, um rosto na lista negra e o terror, mais uma vez, a vencer.

Lembro-me de outros justiceiros mártires: Giovanni Falcone, Paolo Borsellino, tantos conhecidos e quantos anónimos. Quantos magistrados deram tudo o que tinham pela convicção imarcescível do cumprimento do dever, da defesa da justiça, da erracadicação do crime, da protecção de inocentes. Quantas vitórias, quantas pesadas derrotas. Vem agora a lume, em Itália, uma suspeita de que o juíz Paolo Borsellino não teria sido assassinado pela Mafia mas a mando do Estado, como salvaguarda dos negócios escusos em risco.

Falamos do mundo Árabe, reconhecemos a mistureba indiscernível, porque é mesmo assim no Islão, entre o poder religioso e o político. Noutra perspectiva, em quantos lugares a Oriente e a Ocidente, em países instruídos, com liberdade para o livre exame (alguns, como a Itália, integrados em organismos com a União Europeia e outros, como o Brasil, num crescimento económico assinalável), em quantos lugares não estão os poderes imbricados de máfias, de sangue, de horríveis mandatários algozes? E isto mesmo a  partir de dentro, das suas vísceras, até dos seus núcleos mais supostamente confiáveis, aqueles que deveriam proteger os cidadãos, dar o exemplo e, no limite, a vida?

Como é que podemos sorrir, dormir descansados, traçar planos, ter esperança, acreditar vagamente, quando pessoas como Patrícia Acioli findam desta maneira, nestas circunstâncias, sozinhas? Sem ajuda.

Mas eu sei, e sei que os meus leitores sabem, que não era assim que Falcone, Borsellino ou Acioli quereriam que pensássemos. É deles a crença lavada dos justos, a indefectível coragem, a paixão pelo bem e contra o mal. Viveram por isso. Morreram por isso. Mas ficarão como faróis até que a Humanidade tenha memória, até que se recorde do inesquecível contorno da palavra ética, até que consiga abominar e vomitar do fundo da sua história, de dentro do seu presente, a palavra corrupção.

Hoje em dia há um magistrado muito interessante em Itália chamado Antonio Ingroia que há uns tempos, numa emocionante aparição pública a que podem aceder no Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=FQ6EHfkH4nI ) disse, entre outras, uma coisa muito tocante: que devemos aguardar o dia em que ser polícia ou magistrado seja visto como uma profissão e não como uma missão. Que seja normal, que sejam respeitados os que desenvolvem o seu trabalho, que os deixem trabalhar sem que precisem de ser considerados heróis, que os deixem ser cidadãos a trabalhar com a dignidade que todos os cidadãos merecem.

Continuaremos a percorrer longos caminhos. E não nos esqueceremos deles. Dos bons. Nem dos outros. Estamos aqui.

2 comentários:

Pagu disse...

O meu lema de justiça: olho por olho dente por dente.

Quem matar deve morrer.

Só assim poderemos aspirar a alguma contenção na barbárie que tomou conta do poder.

A violência, o terror, as chantagens, a corrupção, a vergonha, não emergem do povo, dos que lutam dia a dia pela sobrevivência.

A vergonha vem de cima, dos que mandam, dos que podem, dos que alarvemente se escondem atrás dos seus pequenos poderes (?) que lhes garantem absolvição por parte de quem julga. Ou de quem gostaria de julgar, se não fosse morto por procurar a verdade.

Grande post Tamborim.

Tamborim Zim disse...

Foi um post q surge dos piores motivos, é verdade. Por princípio sou a favor da pena de morte, e pela mesma razão fundante de muitos que são contra: pela valorização da vida. Eu, por considerar que a nossa existência é uma viagem única, intransmissível e a q cada ser tem pleno direito, acredito q é moralmente correcto retirar essa oportunidade e, também, a possibilidade de novos males perpetrados a quem ceifa vidas. Por outro lado, há q ter em conta q esta pena máxima teria de ser aplicada escrupulosamente e apenas em casos indubitáveis, o q nem sempre se verifica e aí temos outras tragédias.
Infelizmente, a vergonha, a corrupção, a ignorância e o mal não vêm apenas de um lado. Em cada dimensão, toda a gente é responsável. So..."make the difference". Seria tão fácil se cada um fizesse a sua.