sexta-feira, 30 de março de 2012

Paris, o Jet Lag da Primavera e fait divers

Gustave Guillaumet, Une noce arabe à el-Kantara

Muito uma pessoa pensa, muito uma pessoa ideia. A culpa, em última análise, será disto que chamo o meu Jet Lag da Primavera: a mudança da hora (ora oba, oba!), o pólen faceiro, sei lá, o azul e os piu-pius da passarada, tudo deve ter em mim um efeito ainda mais anti-sono-a-horas-decentes. Sucede-me em Março. Não, sucede-me sempre.

Na minha última visitinha à Cidade Luz, registei umas notinhas soltas que me ocorreram em movimento reflexivo. Tais como:

* Degas e os seus nus estão em grande numa exposição temporária do Louvre. Fabulosas damas a tomar banho, antes do banho, depois do banho. Fico presa à tão formosa "lentidão" dos gestos, à placidez com que se limpam, com os corpos luxuosamente reclinados, durante a sua toilette. Penso em como os tempos da arte são diferentes naquelas poses, na magistral imobilidade que nos transporta para outra gestualidade, outra presença; uma visão anti-natural do tempo, ou o nosso íntimo desejo de o emularmos. A arte é, mais que tudo, desejo.

* O que é que essencialmente difere nas obras de arte, qual é o fator que decisivamente capta ou desprende o nosso olhar? Bom, será um conjunto de dados: o tempo para as ver, a disponibilidade emocional, o ambiente das salas, o momento (com tudo isto ou imune a tudo isto quando ultrapassa a condição de estarmos alegres ou tristes ou enérgicos ou apáticos, fazendo-nos transcender limites), a luz do quadro, o contraste, o detalhe, a combinação dos elementos. O tamanho da tela pode ser muito importante, mas também pode não ser. Fiquei fascinada com os quadros do Gustave Guillaumet, que não conhecia.

* O Ocidente enche-se de Ocidente e de Oriente, por vezes desorientando-se nas rotas de tantas pessoas sem raízes, a trabalhar maquinalmente, saturadas de saudades e de um pragmatismo endurecido na esperança de melhorar a vida. Acontece sacrificarem a alegria na prestação de serviços, e a disponibilidade, mas o contrário também. Ocidentais e orientais, retome-se a alegria de trabalhar, servindo, para melhorar o mundo!

* Vejo as pessoas, e não sei porquê no metro isto é tão nítido: desenraizadas, todas, mesmo as nascidas e criadas na cidade. A cidade é o exílio do nosso natural.

Contar um conto é quase sempre aumentar um ponto, mesmo que ínfimo. Verifico-o ao ler o que vos conto. Aqui entre nós, é a verve a ferver e pronta a ser sabor. Sabem que existe um rio Sabor? Que nome lindo.

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