quarta-feira, 12 de junho de 2013

Tanto se ouve dizer, tanto se ouve falar


Tão fofinho que até cansa.

Em berço, princípios, valores, sofisticação, nível. Amiúde, quase parece que todos estes vocábulos, uns mais estimados do que outros, cabem no mesmo cestinho florido da perfeição. Mas não, diria, mas não.

Não deixo de achar confrangedora a evocação permanente de coisas como "berço". O que é o "berço"? Alguém nascido de pais abastados, social e culturalmente considerados, tem o dito "berço"? Se o nascimento for financeira, social e culturalmente humilde, já o não tem? Que berço maior  teve o que nasceu na manjedoura, minha gente!

O que é ser sofisticado, etéreo leitorado? Será alinhar com a carneirada na profusão de conceitos que parecem cair bem e marcar com criterioso aprumo quem os utiliza com uma pseudo-unção de superioridade? Será, finalmente, alimentar e produzir conteúdos menos originais do que poderiam, menos críticos ou radicais (de raiz, de raiz, repito) do que poderiam? Ser sofisticado é ter um grau académico muito avançado, como um Doutoramento? Não o ser é ter a 4ª classe, ou primeiro ciclo, ou como se diz? Ser sofisticado é ter a roupinha da moda ou do discutível bom gosto? Ser sofisticado é posar como se fossemos sofisticados? O que dizer da sofisticação das nossas ideias, das nossas produções únicas, realmente idiosincrásicas, das nossas atitudes e defesas, do nosso passeio por aqui? Ser sofisticado é falar vinte línguas mas não ser especialmente votado à literatura, às artes, ao pensamento demandante, filosófico ou não, ou ser um leitor atento, cocriador, apaixonado, lendo numa só?

Tenho nível se for médica cirurgiã, de preferência rica, mas não o tenho se vender numa mercearia? Se as minhas roupas forem simples e já muito usadas, mas o meu interior estiver em constante renovação, reciclagem, luta-livre esperançosa, já sou chã e sopeira? E mesmo que o meu interior esteja gasto também, como as roupas que uso, já o meu valor é pouco?

Se, sobretudo, o nosso coração for rico, ginasticado, amplo, bom - precisamos de adereços como dinheiro, canudos, espalhafato e esforço insano para parecer o que não somos? Ademais, é-se o que se não é porque genuinamente se aprendeu a amar conceitos, objetos, vivências, mesmo que não nos tenham sido sistematicamente injetados desde o "berço"? O que é  ser? Lembrem-se das sábias palavras de Sartre, quando dizia que "a existência precede a essência". Naturalmente, a essência é também ela construto, progressão, evolução, inflexão - e tantas vezes como, e quanto!

A classe nunca terá uma classe. Nunca.

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