sábado, 25 de janeiro de 2014

Eu sei exatamente porque é que a tragédia do Meco aconteceu

 
 
 
Tenho uma amiga que continua intrigadíssima com o que se deu no Meco e que recolhe laboriosamente as diversas versões, aventa reconstituições, desafia a rapidez do surgimento de novas notícias a respeito. Por meu lado, estou tristemente satisfeita com a explicação para o que ocorreu. Claro que com uns bons borrachos na cara do rapazinho que agora tem amnésia seletiva (oh, pois sim!), ficaríamos a saber todos os detalhes. Mas seriam apenas isso - detalhes.
 
A tragédia do Meco aconteceu pelo mesmo motivo responsável, caros leitores, por tudo quanto aqui seguidamente vos narro. E por muito, muito mais.
 
A tragédia do Meco aconteceu pela mesma razão por que esta mesma madrugada fui violentamente acordada do sono dos justos, pelas três e tal da matina, com uma gritaria histérica na rua. Um grupo imbecil de jovens, daqueles grupinhos que saem geralmente aos fins-de-semana e que, no todo ou na parte, não sabem beber, estão a ver o filme, ladeava o bêbado do imbecil-mor que, em tronco nu e aos gritos, se debatia dentre eles. Não percebi o que se passava, se havia agressões ou não, mas destacava-se a voz histérica e descompensada de uma rapariga que berrava aos quatro ventos "Dá-me na tromba, estou a dizer-te para me dares uma (não sei quê) na tromba!" E mais gritos e choros. Síndica Zim, entre o indignado e o nervoso chama a polícia, que lá vem e tenta por ordem na coisa. Ainda tiveram de segui-los dentro do carro porque, mais à frente, os amigos não conseguiam controlar o rapaz de tronco nu apesar dos muitos esforços. Sob o olhar da polícia lá o conseguiram despachar para dentro do prédio que, espero que não para infortúnio futuro, fica sito na minha rua...
 
A tragédia do Meco aconteceu pela mesma razão por que hoje mesmo, da parte da tarde, me enfureci até à medula com uma barulheira de obras, totalmente ilícita, nas traseiras do meu prédio. Quantas vezes, remota e recentemente, ouvi este barulho de máquinas de obras ensurdecedoras e me disse: "este fim-de-semana não". E desistia, fechava a porta, esquecia-me do tremendo abuso sonoro. Isto sucedeu, camaradas, muitas vezes mesmo. Até que hoje me cansei, chego à janela e, malgrado não o dever, comecei a dar uma descasca aos culpados, que aquilo era um desrespeito, e que obras ao fim-de-semana são proibidas, e que se voltasse a acontecer chamava a polícia. Remédio santo. Mas, uns momentos depois, conto-vos outro idêntico motivo pelo qual a tragédia do Meco aconteceu: também das traseiras, mas de um r/c escondido da minha vista mas não, infelizmente, do meu martelo, da minha bigorna, de todo o meu delicado pavilhão auricular, começa uma literal martelada obtusa. Em conversa com vários dos meus vizinhos da frente, as pessoas têm-se queixado do que ali sofrem, com obras ao fim-de-semana, e por vezes até à noite, mas pelos vistos... não reclamam! Avisei também os facínoras barulhentos. Coincidência ou não, às marteladas sucedeu-se uma máquina verrinosa e totalmente arrombadora dos ouvidos. Com a ajuda do vizinho da frente saquei o número e o lado correto. Molestem a minha vida e eu molesto a vossa seus c...,,,,,. Lá veio a polícia, que esperei na rua, e muito solicitamente tomaram nota da reclamação. O barulho parou.
 
Mas a tragédia do Meco, perspicazes leitores, sucedeu também pela mesmíssima razão pela qual os jovenzinhos rascas, os jovenzinhos betinhosos e os jovenzinhos mais ou menos têm como assassino entretenimento corridas homicidas de carros, e agora até, segundo se diz, sovas de meia noite uns aos outros.
 
A tragédia do Meco ocorreu pelo mesmo motivo que superintende a outros comportamentos bárbaros ao volante, bêbados da vida, idiotas de serviço, monstros do milénio a ceifar vidas indiscriminadamente. E mais vidas, e mais vidas, e mais vidas, e mais sangue a alastrar no alcatrão.
 
A tragédia do Meco aconteceu por razão análoga às discussões assombrosas de certos lares resultante em violência doméstica mediante indignidades físicas e ou verbais.
 
A tragédia do Meco sucedeu pelo mesmo motivo pelo qual, esta mesma noite (acreditem ou não!!!) andava um homem na rua, totalmente zombie, aos ziguezagues e a dar pancadas nos caixotes do lixo, com raiva e sobra de energia que lhe faltava no cérebro.
 
A terrífica tragédia do Meco ocorreu pela mesma natureza de razão que me levou, noutro dia, a enviar um e-mail ao meu serviço inteiro, a dizer que esperava não ter de chamar outras instâncias para me queixar do cheiro e fumo de tabaco que pessoas que tinham idade para ter juízo estavam a insistir em fazer grassar pelo corredor, fumando na suas salas, o que é estritamente proibido. Isto depois de ter pedido, e depois de ordens nesse sentido!
 
A tragédia do Meco ocorre pela mesma razão por que as pessoas que não sabem levar e aceitar uma tampa com fair play se empenham em perseguir, arreliar e stressar os alvos do seu ressabiamento.
 
A tragédia do Meco teve lugar pelo mesmo motivo pelo qual as pessoas se recusam covardemente a testemunhar o que tem de ser testemunhado, a opinar quando a opinião faz a diferença, a recusar o que tem de ser recusado e a não tolerar o intolerável.
 
A tragédia do Meco aconteceu pela mesma razão por que há guerras, invasões e negócios escusos.
 
A tragédia do Meco aconteceu exatamente pelo mesmo motivo por que há estupros isolados ou coletivos, a crianças e a idosos, em Portugal, na Índia e na Indochina. E em todos os cantos deste merdoso mundo.
 
A tragédia do Meco horrorizou o País pela mesma razão pela qual os animais são maltratados, muitas vezes por "desporto".
 
A tragédia do Meco deu-se, meus caros, pelo mesmo motivo pelo qual todos os abusos acontecem, pelo qual toda e qualquer barbaridade é perpetrada: pelo desrespeito pela palavra, pelo conceito, pela palavra/necessidade/conceito/valor "Basta!" É por se desconsiderar que basta, que já chega, que é demais pá, que não pode continuar, que não pode repetir-se, que é irracional, que é lesivo, que é letal, que é desrespeitador, que é destrutivo, que é uma mácula sobre a preciosidade que é um ser, que é perigoso, que é uma indignidade, que é uma afronta, e que tudo isso é previsível, compreensível e evitável, é por isso que se sofre e que se morre. Espúria, estupidamente. É por isso que as pessoas se esfrangalham em nervos, que os bêbados demoram a tratar-se, a reassumir as suas vidas e a sua liberdade, que todos os drogados se adiam, que os deprimidos se vão afastando de si: por não observarem a força, a urgência, a terrível, majestosa importância e urgência do que BASTA!
 
BASTA.
 
BASTA.
 
BASTA.
 
Foi por isso.

2 comentários:

_+*Ælitis*+_ disse...

Leio este post com
Bastante atrasado, mas achei bastante "poignant"!

Tamborim Zim disse...

Merci si si bin querida Elitis! Q honra ter a tua visit. continuo a subscrever a mensagem do post integralmente.