sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Barro

Poeta-esplendor, Poeta-pássaro, Manoel de Barros
 
 
Terra, à terra voltamos.
 
Desde ontem, dia 13, o mundo ficou mais baço. Repararão num trinar mais modesto da passarada, um esmorecimento nas cervicais da flor, uma redobrada palidez das pétalas.
 
O mundo fica menos enigmático, mais nu e frio dentre toda esta chuva, num distar lacrimoso do Verão.
 
Voltei. Tornei para afiançar que os versos ainda por nascer já mirraram, que as
possibilidades escondidas desmaiaram um pouco mais pelo chão, um pouco mais não sendo.
 
Ao barro.
 
Desde ontem, há um embargamento alojado em alguma parte da minhas entranhas, talvez do âmago, dos ombros, pesados de não haver. Do pouco que li, que foi tanto. O suficiente, para saber que desde ontem as aranhas não brilham nem se aplicam da mesma forma, a letra não tem a mesma forma, os idiomas caminharam no sentido inverso ao coração, as metáforas desmantelaram-se em luto, cheias de sono, adormecidas numa praia com a lua apagada.

Morreu Manoel de Barros.


O apanhador de desperdícios


Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros