sábado, 31 de dezembro de 2016

Viva!

 
 
Não sei infelizmente a autoria desta bela pintura... mas fica a obra!
 
Estremecidos leitores algodónicos por todo este vasto Mundo espalhados, nem peço perdão, pois não o mereço. Compreendam a razão reinante da minha ausência: andei por aí a viver, a demandar, a demandar.
 
Claro que esta altura de fecho e reinício de ciclos é sempre preciosa, e claro também que isso não é desculpa para vos falar tão espaçadamente. Mas sabeis, o Espaço, o Espaço é enorme e um perde-se!
 
Para mim, o presente ano foi Amoroso e Radical. Entre coisas muito boas e delicadas e raras, entre as flores formidáveis, muitos desconfortos também me assolaram, medos e mal-estar. Desarranjos, desapontamentos, desilusões, confirmação de que nunca passarei de uma assistemática e, portanto, inimiga do sistema, mesmo sendo assim pequena e com tão pouco poder. O sistema a todos vigia e seleciona, não tenham ilusões. Leitor, atento à sua escolha!
 
Uma coisa demarcou de maneira deveras importante o ano agora quase a refluir para um Além Cronosal: ser tomada pela certeira, forte, e por vezes temível sensação do que não quero. Sempre preferi as virtudes das escolhas pela positiva. Mas o que se quer pode ser tanto, tão distante e tão difuso que tê-lo apenas por referência periga ser, curiosamente, paradoxalmente, pouco. É a sensação, estimados, de que a força das circunstâncias, se for tomada em conta, nos empurra inexoravelmente para um destino que nós não queremos que permite um certo despertar da ataraxia. É isso, essa força das circunstâncias, camaradas, que não pode ser tomada em conta, se o seu rumo não for por nós desejado. E a alternativa? Não me obriguem a vernáculos minhotos: que se arranje! Se o que não se quer é claro, verão que a alternativa positiva, que não a fuga, se espraiará viçosa e correrá aos vossos braços. Deixem e devolvam o abraço ao que não é o que não querem. Paulatinamente, deixem espreguiçar, ao seu tempo, nos rigores da sua estação própria, a floração prazenteira do que querem.
 
Tudo isto é um sopro: que nos seja longo e em delícia.
 
Feliz Ano Novo, leitores queridos! Entra em cena, fantástico 2017, e sê decisivamente Bom.

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Saca la Muerte de Tu Vida


Rodrigo Tavares - Esteban - Saca la Muerte de Tu Vida


Um disco de Rodrigo Tavares, absolutamente:



                                                            lindo e impecável.

Brasil.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Silvar

Silva canta Sou Desse Jeito
 
 
Está um dia lindo, os passarinhos gorjeiam, e o Silva tem o particular dom da felicidade. Novo disco: Júpiter. Muito recomendável.

sábado, 30 de abril de 2016

Deixa-me, Leminski

Deixa-me, Leminski, por Deus! É sábado, e so what? A water de beber continua a cair das pedras, encanada, represada, e ainda por cima tenho de comprar garrafões da cuja. So what the foca? As flores não precisam de nenhuma desculpa para fenecer, mesmo no sábado, elas assim definham, entediadas, só precisam de um golpe olhado de desejo de alguém que as saque ainda jovens, que as fustigue na velhice, num vento, no ócio de um gesto manso.
 
O quisto do cachorrinho do lado incomoda-me. Queria salva-lo, que importa ser sábado? Outros portões da mente são abertos neste dia com castas finalidades de arejamento e acabamos neste genocídio de intenções?
 
Sou um genocídio de intenções. Também isto, camaradas, não servirá para meu epitáfio. Aliás, só quererei um epitáfio se me decidir pelo funeral egípcio imperial.
 
Sábado, so what, Sunday, e daí, Segunda, so what, Tuesday, e daí, Quarta, so what, Thursday, e daí, Sexta, so what, eu, so what. Desde 1976 a robustecer e estupidificar nas mais sofisticadas pipas de madeira da Floresta Negra. Foca the world.
 
Preciso muito de ti, Ginsberg, desde há muito. Nunca podemos separar-nos mais que uns meses. Acho que és o poeta de quem mais preciso no mundo e de todos os tempos. Quero ir para o teu colo, e sentar-me no lado esquerdo da tua cabeça, e intuir contigo o reclinar da flor. És um bruto e eu amo-te, caridosa alma amiga.
 
Sábado, podias implodir-te já e trazer aquele tempo sem fim, aquele tempo sem fim que mataria qualquer tédio.
 
And now...what?

terça-feira, 26 de abril de 2016

Abram alas para as (algumas das) coisas que eu detesto

  1. Que acabem as rosquinhas quando quero mais.
  2. Quando estou gordíssima e não me apetece fazer nada para ficar diferente.
  3. Quando num primeiro encontro 2 ou 3 pessoas, seja qual for a relação, querem "rachar" (crrrredo) a conta.
  4. Quando oferecemos alguma coisa como uma guloseima e a pessoa diz que mais tarde talvez queira. Deveras? Tenho de guardar o que estou a degustar agora e que partilharia com prazer agora para tempos indeterminados? E se quiser tudo a que tenho direito ???
  5. Quando alguém sugere dividir uma dose abaixo do selvaticamente grande  no restaurante: mas a que propósito? Quero a minha toda! O mesmo para sobremesas, claro.
  6. Quando os outros não querem sobremesas mas depois bicam a nossa com colheres de forma a ficarmos tristemente empobrecidos.Bah.
  7. Quando os meninos não deixam as meninas passar à frente e não seguram as portas.
  8. Quando as pessoas não são coerentes nem leais.
  9. Quando as pessoas são tão escandalosamente gabarolas que nos provocam constrangimento e vergonha alheia.
  10. Que me visitem ou insinuem visitas sem me contactar previamente e saber se estou disponível, tipo...."Estava a passar por aqui...".
  11. Que certos empregados de certas lojas me tratem por tu.
  12. Que certo tipo de gente me trate por tu.
  13. Que queiram controlar o mais ínfimo do mais insignificante do mais semi-invisível aspeto da minha vida.
  14. Que achem que sabem o meu gosto para presentes em geral e particular.
  15. Quando há barulhos de obras ao fim-de-semana.
  16. Quando há qualquer barulho a qualquer hora.
  17. Quando gente que não é chegada a moda icónica se atreve a comentar o meu estilo com ar entendedor.
  18. Quando me chateiam em geral.
  19. Quando  me chateiam em particular.
  20. Quando sou obrigada a falar com gente com ar desagradável, pouco inteligente e pouco afável.
  21. Quando tenho de sustentar uma conversa com gente sem ideias, sem aparentes idiossincrasias e sem humor.
  22. Quando me dão por garantida.
  23. Quando não me deixam em paz.
  24. Quando algumas pessoas teimam em respirar ao pé de mim: feias, descuidadas, horrorosas, escabrosas, repelentes.
  25. Quando as criancinhas ameaçam ruir o mundo aos berros e os lerdos paizinhos acham normalíssimo.
  26. Quando coisas hediondas, anormais, vis, indignas, são consideradas normalíssimas.
  27. Quando gente estúpida se reproduz.
........ Muitos outros números deveriam desfilar.... atualização permanente.

Sim, sou pessoa sensível.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

De mim, segundo H.D.

Um dos frescos presentes que me deram recentemente, e fresco porque ecoa na memória não sendo, assim, só memória, mas seiva de algum porvir - bom, isso é aguardar.
 
Reza, mais ou menos, assim:
 
"Havia um agricultor que tinha as suas semeaduras habituais. A partir de dado momento, foi abandonando os trabalhos da terra. Deixou de semear milho, trigo, batatas, tudo enfim. Toda a sua propriedade ficou infrutífera, tornando-se um baldio.
 
O agricultor ficou triste, frustrado, ansioso, e explicava ao mundo, perplexo, que alguma coisa sucedera, que ocorreram uns fenómenos e que as suas terras assim ficaram desoladas, como ele mesmo.
 
Tem de ser agricultora de si mesma, Tambo."
 
Vou começar amanhã a tentar perder toneladas, veremos onde esta agriculmim me leva. O baldio cansa e rouba sol, flores e sombra.
 
Por que não? Ainda que apenas mais uma distração, somente novas paisagens. Por que não, se tudo é ir? Alento, algum, uma microcápsula de alento, por que não?

domingo, 24 de abril de 2016

Prince a brotar flores

                                                      Prince - Creep (Radiohead)


Foi só há minutos que conheci esta versão de uma canção que amo há muitos anos, dos esplêndidos Radiohead.

A parte final é de cortar a respiração. Prince a dar-nos vida. Muito amado, muito love.

Your extra time and... kiss

                                                                 Prince - Kiss



Claro que eles tomam ainda mais conta do nosso pensamento quando percebemos que também são finitos. Como não?

Da barrinha lateral

Quem acompanha mais atentamente a Alegoria certamente não sossegará, seguramente há mais de um ano, com a não atualização da barrinha poética lateral. Mas é que aquele poema da Hilda Hilst, sempre que o leio ali, lateralmente, é-me tanto, que toma o palco.

O

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l
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i
o

.

E tudo o mais.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

É oficial, o mundo ficou ainda mais feio

                                                               Prince - Purple Rain


Soube a notícia há poucos minutos. Chorou primeiro o meu coração, pesadamente. Depois o resto. Lembro-me de embirrar com a figura do Prince, lembro-me de ter sido completamente seduzida pela música, pela figura, pela estética, pelo arrojo, pelo seu golpe de asa.

Ter saído do palco tão cedo é simplesmente mau demais.

Luto por mil dias.

Serás chuva agora, pequeno Príncipe. Gigante.

domingo, 10 de abril de 2016

Uma Vida para a Mia - SOS

 
A Mia, que já está no gatil de novo.

Página: https://www.facebook.com/umavidaparaamia/timeline

Contactos: 96 64 54 840 (o meu, Sónia) // 91 838 91 91 (Centro Clínico Animal de Guimarães)
 
 
Olá diletos.

Por favor apoiem e divulgem esta página que criei: https://www.facebook.com/umavidaparaamia/timeline . Quem não tiver FB, pf. envie para a sua mailing list por e-mail, passe a palavra, melgue famílias, amigos, colegas, todos!
 
Há uns dias fui com a minha querida amiga L. à festinha de aniversário do Centro Clínico Animal de Guimarães, onde reinam os excelentes profissionais e pessoas que tratam da minha (dona) Paloma sempre que necessário.
 
Pedi para mostrar à L. os animais residentes e, ao entrarmos no recinto, fui atraída pelos olhos redondos de uma amorosa gata de funil. Sabendo o que eles detestam aquele objeto e encantada por aquela presença, fui ter com ela. Festinhas, miauzinhos, etc., até que fomos confrontadas com o problema da Mia. Incontinente fecal, foi operada recentemente, cauda amputada, e manifesta grandes melhoras.
 
A minha amiga descobre, surpreendidíssima e entre lágrimas que acabei por partilhar num momento muito emotivo, que a Mia é a mesma gatinha que ela socorrera há 3 anos, quando foi atropelada e quase morreu. Muito frágil de saúde, bebé, e apenas urinando sob estimulação da bexiga, a pequenina Mia esteve quase a ser sacrificada no vet de então quando, de surpresa, começou a urinar devagarinho. Salva pelo gongo.
 
Todavia, a incontinência fecal instalou-se, e infelizmente os cocós da Mia perturbam e são ameaças às dezenas de gatinhos com quem divide um gatil amigo atualmente. Ou seja: a Mia precisa de alguém que a receba e seja recebido pelos seus olhos sem fim e pela sua inacreditável doçura, para mais tendo em conta tudo o que passou nos seus 3 anos. Seria necessária uma quintinha, um terreno, algum espaço seguro onde possa estar ao ar livre e ter uma vida digna e feliz, e com o amor de quem a acolha.
 
As despesas médicas desta gatinha serão asseguradas sem que o novo amigo-dono da Mia tenha de ter esse encargo, e damos ajuda com a comida se/ sempre que necessário.
 
Várias pessoas de muito bom coração têm tentado ajudar, mas até agora sem sucesso. A Mia não pode ser sacrificada de modo algum, não tem culpa de não conseguir controlar as suas necessidades... podíamos ser nós os "incómodos", já pensaram nisso?
 
Se pudesse, recolhia-a se imediato, mas por condições externas é-me impossível.
 
Ajudam p.f., divulgam p.f.? Alguém que leia pode ser a salvação da Mia.
 
Grata infinito, beijos e abraços tamborínicos. 
 
 





 

quarta-feira, 30 de março de 2016

Um recado para o cronista Manuel Ribeiro

Olá, olá, Terra à Vista chama Manuel Ribeiro.

Terra à Vista chama, olá, olá.

Manuel, volte, temos saudades suas. Mesmo. Nem quero bem acreditar nos anos que passaram.

Volte, chapéus (ou bonés) há muitos! Esperamos por si.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Fábula puerícia odalisca mantra

(Foto de Zim)

Todos os dias eu subia o monte e a passarada no alto cantava, fazendo-me passar. Ladeando o lago o cisne branco ciscava. A fazer-me cismar. Longe na colina o esquilo saltitava, fazendo-me esquiar. Escondido nas folhas o sapo coaxava para eu coxear. Debaixo do sol o gato ronronava. Para eu gatinhar. Entrementes, a serpente toda a noite enrolava. Para eu serpentear. No rio de água doce em brilho o peixe nadava, para eu pesquisar. O cavalo azul do Kadinski galopava para eu cavalgar. Atravesso a selva e o leão solta a juba. Para eu jubilar. Chego à encruzilhada e aí estás tu a olhar-me. Para eu te entoar.

Para eu te entoar.

Para eu te entoar.

Para eu te entoar.

Para eu te entoar.


                                Para eu te entoar

                                      Para eu te entuar

Para eu te em tu ar

                      Entoar

                                      em Tu Ar

Entoar

                           Entoar


Para eu te entoar.

Zem quietude

Encontrar uma saída. Ou uma entrada?

quinta-feira, 24 de março de 2016

Mau demais

A tríade
 
 
Agora que já voltaram das respetivas casas de banho após profuso vomitar, leitores, observem e meçam a repugnância que uma foto destas consegue ofertar. O acusado de pedofilia com um ministro e um "distinto" representante  da Igreja Católica. No lançamento do livrinho. Em que, qual guerreiro vingativo emanando castas verdades, o acusado acusa o poder de baixezas certamente em nada comparáveis às suas pequenas tentações.
 
O nojo e as suas intermináveis variantes performáticas.
 
Nada de novo, ainda assim nauseante.
 
Chibata, não? Hum? Choques...elétricos? Pena...cof cof...de morte? Não? Mesmo? Leitor, pense outra vez.

quarta-feira, 23 de março de 2016

A filosofia da chave de fendas

Diletos, o que vale é que o meu fraco encéfalo tem sempre tentações divagantes para se esquecer da sua desgraça.
 
Ontem montava cadeiras e mesa, e entre apertares selváticos de roscas ou lá o que é, e desmanchar de ações, ocorreu-me que, à semelhança das vicissitudes de compor mobiliário, assim vai a vida: com as dificuldades, aparentes ou reais, ganha-se análise, fôlego e exercício; com as facilidades, urge estar sempre mui atento não vá estarmos convencidos que já está e afinal... termos de desaparafusar e repetir.
 
E com esta ideia de alto quilate me resumo ao silêncio contrito.
 
Ah, carpinteiros do meu País, bem-hajam, um grande saravá, sou fã.

domingo, 20 de março de 2016

Marcelo Falcão I lobe you I do


                                        Marcelo Falcão (encanta) Eu amo você, de Tim Maia


Os pensamentos são como as cerejas. O vídeo do Tim Maia lembrou-me uma versão linda de uma outra sua canção pelo Marcelo Falcão.

Nisto descobri essa versão mas transfigurada por este sublime arranjo que desconhecia e no qual resplandecem todo o talento e beleza de Marcelo Falcão, para quem não sabe vocalista do meu amado O Rappa.

Ai, ai... Pólen.

Primavera

                                                             Tim Maia canta Primavera

 
Primavérvicos e algodónicos leitores, chegou a Primavera e, em jeito de celebração musical, temos o gigante Tim Maia a cantar e inspirar (e transpirar) a sua. As vozes do coro estão lindas.
 
Bom, e que dizer da Primavera e dos passarinhos a voltar e das flores a brotar e das alergias (especialmente minhotas) provavelmente a despontar? A dúvida fica a planar dentre os azuis que certamente virão. Brinco e imito a célebre e genial tirada de Paulo Leminski* e avento que, claro, nunca sabemos o que se segue à Primavera. Quem sabe uma surpresa vital magnífica, quem sabe apenas mais um Verão.
 
Palpites?
 
 
 
*"Você nunca vai saber o que vem depois de sábado, quem sabe um século muito mais lindo e mais sábio, quem sabe apenas mais um domingo."

domingo, 13 de março de 2016

A consulta do Além

O Dr. António Espadachim cofiou o bigode louro. Diacho, 18:50 e ia entrar a paciente das 17:00. Tudo atrasado, todos a abanar-se e a bufar na sala de espera. Agustina Santos, vamos a isso.

- Boa tarde Sr. Dr. Espadachim - saudou Agustina, com voz esmaecida.

António vasculha por uns segundos os ficheiros no computador, ajeitou o relógio em cima da mesa (olhar de viés para o pulso durante a consulta só resultaria em humilhação e constrangimento para os doentes, assim substituídos nas suas premências pelo desfile militar de Cronos), afivelou um sorriso caloroso e levantou-se para cumprimentar a cansada senhora.

- Agustina, como se encontra?

-  Ai, nada bem Sr. Dr..

Diga-me alguma coisa que eu não saiba, minha santa - congeminou mui rapidamente Espadachim. Não se queixava, porém, ser Psicoterapeuta fora uma escolha e uma missão. Mas quarenta anos de profissão já pesavam.

- Então, como foi a semana?

- Bom, as duas semanas....

Hum, resmunga o Psicólogo para o intra-eu. Tenta abrir a ficha, o ficheiro não abre. Teme um vírus e fixa-se, sereno, no rosto de Agustina.

- Exato...Está com um ar cansado. Como tem dormido? Agustina, desliga-me por favor a luz do interruptor? A do pequeno candeeiro basta-nos, creio. É que o paciente anterior via mal, e não queria parecer um fantasma, eh eh.

Agustina arregalou os olhos. Tímida, porém, assentiu.

-Pois, cheia de nervos, o problema continua e ando muito nervosa. Olho para os pulsos e imagino-me a cortar as veias, mas Sr. Dr., eu nem posso ver sangue. Também me imagino a atirar de uma ponte qualquer. Mas não sei nadar.

Espadachim arqueia as sobrancelhas. Hora solene de não dizer, como em todas, nenhuma incoveniência, mas tinha de abordar o aparentemente contraditório facto.

- Nadar seria importante ao atirar-se da ponte? - perguntou, com melíflua  semi-doçura.
- Ai pois, vá que eu não me finava logo? Ficar ali a engolir água e a ser devorada por tubarões...

Not that fast, ocorreu imediatamente a Espadachim. Reprimiu um bocejo, tossicando.

- O sofrimento. Sempre o sofrimento, não é? Uma experiência como a sua, Agustina, nunca suprime o sofrimento como um receio, mas que sabe que pode aprender a arrumar, a circunscrever no tempo e no espaço. Uma violação fere para sempre, contudo, e é saudável partirmos dessa verdade.

Agustina fitou o psicólogo, piscou os olhos.

- Bem, é realmente quase uma violação, este sentir permanente medo de tudo. Do escuro principalmente... - Olhou para o candeeiro de soslaio, António mordeu ligeiramente os lábios e resolveu ir em frente.

- O seu padrasto tem tentado contacta-la?

- O meu padrasto? O meu padrasto morreu há dez anos...não percebo o que...

Shit shit shit. Espadachim espalhou-se. Não queria tentar abrir de novo o ficheiro.
Reminiscências sucessivas maceravam-lhe o cérebro sem ajudar. E estava cheio de fome. E há três horas sem ir à casa de banho. Ferro sobre ferro. Mas o doente não podia perder a confiança, não podia perder a consistência da coisa, o próprio apertadinho ou não.

- Sabe que a nossa mente, a nossa mente comunica mesmo com o que não está, e confabula igualmente ser chamada...entende?

Agustina arregalou novamente os olhos, quase se persignando. Mas teve vergonha, aquelas pessoas da ciência podiam troçar da sua fé.

- Refere-se assim a um contacto...do Além?

- Não, não, Agustina. Do Aquém, do Aquém. Sempre do Aquém e do Aqui. Daqui - Espadachim sorria, confiante, apontando a cabeça semi-calva.

- Hum.... não, não tenho pensado no meu padrasto. E também, depois do que ele fez à minha tia-avó... nem pensamentos, Dr., nem pensamentos!

António Espadachim perscrutou o ar. Incunábulos, por Psiché, desçam sobre mim e iluminem-me que isto está bravo.

- A tia-avó foi, também, uma vítima?

- Uma vítima? Sabe lá Dr. Espadachim, roubou-a! Levou-lhe tudo, tudo!

- Mas por vingança pessoal, por capricho? Tendo sido o seu padrasto um homem abastado...

- Abastado! Ah, coitado, um Zé Ninguém, andava sempre a pedir.... Tinha um ou outro terreno mas não fazia nadinha.

- Ou seja, fazia, mas só aos outros.

- Pois pois!

- E Agustina, e o trabalho?

- Vai bem, sabe que ser parteira é o que mais gosto...

Espadachim escorregou a mão direita para o rato. O ficheiro abriu. Buf, fechou. Écran branco.

- E como tem dormido?

- Com muitos nervos, Dr., como disse... Já me tinha perguntado-sorriu bondosamente. Estaria cansado, coitado.

- Sim, mas refiz a pergunta... Técnicas Agustina, técnicas-sorriu com bonomia. Não podia arriscar muito mais, visivelmente havia ali, Houston, um qualquer problema.

- Tem pensado no sucedido? - perguntou em tom neutro.

- Em...quê?

- Naquilo que lhe aconteceu.

- Oh, sim...permanentemente. A marca fica.

- Claro. Uma violação fica e repete-se.

- Amm... Sim, a casa ficou toda espatifada. Violação de propriedade, sem dúvida.

- A Agustina não estará a exteriorizar demasiado os efeitos do sucedido? Como se
esquecesse, dessa forma, o que se passou com o seu corpo?

- Hum..eu no meio do assalto só sofri uma arranhadela quando a estante caiu e me roçou no braço...

- Agustina, está em negação. Uma violação é uma violação. Está preparada para o assumir?

- Mas Sr. Dr. eu não fui violada, a minha prima é que foi, pelo carteiro que era irmão do meu noivo! Muitas vezes pensei que preferia ter sido eu a vítima!...

A prima, o carteiro, o noivo, trina salganhada! O dedo no botão do rato, o branco imaculado-impiedoso do écran. Nada.

- Agustina, a violação não tem de ser connosco, torna-se universal. Não o foi, mas sofreu como se fosse na pele. É importante não esquecer isto, não lhe parece?

- Sim claro Sr. Dr., e não o esqueço, apesar de terem passado dezoito anos.

Espadachim tossicou. Era a hora, via a reforma no horizonte como um sol nascente libertador a aproximar-se em redentoras passadas ígneas.

- Vamos terminar agora, Agustina. Um resto de bom dia e até à próxima consulta...Vou marcar aqui à mão pois estou com problemas no computador.... Dia 13, Agustina Santos.

- Saraiva Dr., Saraiva.

Espadachim fitou a doente comicamente. Parecia ter sido trespassado por uma bala mesmo nos recônditos do cérebro.

- Claro, Saraiva, Agustina Saraiva, aqui está.

Cumprimentos, adeuses.

Complicadamente, o écran azulou. O ficheiro abriu. Demasiadas Agustinas, duas bastavam. Épico. Espadachim recostou-se na cadeira. Esperem vinte minutos agora. No mínimo.

terça-feira, 8 de março de 2016

Cumprimentos do Joyce

" Que afinidades lhe pareciam existir entre a lua e a mulher?

 A sua antiguidade em preceder e sobreviver a sucessivas gerações telúricas: a sua predominância noctuna: a sua dependência satelítica: o seu reflexo luminar: a sua constância durante todas as suas fases, erguendo-se e pondo-se às suas horas marcadas, crescendo e minguando: a invariabilidade forçada do seu aspecto: a sua resposta indeterminada à interrogação não afirmativa: a sua potência sobre águas efluentes e refluentes: o seu poder de enamorar, de mortificar, de conferir beleza, de enlouquecer, de incitar e auxiliar a delinquência: a tranquila inescrutabilidade do seu rosto: a terribilidade da sua isolada dominante implacável resplandecente propinquidade: os seus presságios de tempestade e de calmaria: o estímulo da sua luz, do seu movimento e da sua presença: a admonição das suas crateras, dos seus mares áridos, do seu silêncio: o seu esplendor, quando visível: a sua atracção, quando invisível."
 
James Joyce, Ulisses

Olhó dia das daminhas


                                                      
                                                 Ana Carolina canta Eu Gosto de Mulher


Isto dos dias das coisas tem o seu quê entre o pitoresco e o torpe.

Como acho irresistível esta interpretação da Ana Carolina, aqui fica em jeito de brinde às mulheres, aos homens, aos diversos tipos de enamoramento, de atração, de famílias, de orientação existencial vária e vasta.

Cheers, ladies and gentlemen.

domingo, 6 de março de 2016

Quando há beleza

 
                                                           
                                                             Dona do Horizonte (Djavan)
 
 
A minha preferida do último do Djavan, Vidas pra Contar.
 
Grata Mana Amada, por  mo teres trazido quando outra música se fechava para mim, ou eu para ela.
 
Amor.

Quando há beleza na minha vida, Mana, tu estás.

Talho


O céu azul e a vida corta sempre mais. A diz-se que prostituta assassinada, tudo é mais próximo em Guimarães. Um dia de sol, as rosas exultam, ou outras, decotadas. E essa, a vida, corta-me sempre mais. Na tábua, na mesa de operações, no dia aberto; um dedo, a artéria, um mamilo, a ponta da língua. Um corte, gigante, uma cirurgia plástica ao contrário. O dissemelhante, o fosso, a aresta, o mundo tolo e ordinário a queimar-me. Viva.
 
O dissemelhante não precisaria de matar. Em vida.
 
De matar. Em vida.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Dada a cálida ambiência...

... e como não estamos todos embrulhados em cobertores a tiritar e a desejar hibernar até Maio, aqui fica uma song condizente. (E que eu absolutamente amo.)

Ah, grata muito a todos os pertinazes que visitam este espacinho de pura primaverve, grata a si, leitor, a si, leitora, por aqui, por lá, Brasil, States, Angola, Itália e outros. Beijíssimos. "Amo você(s) demais".

                                                             Otto canta Dias de Janeiro

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Bullshit - éclogas a léguas

15. Antes da bomba atómica, inventaram este cogumelo explosivo magia negra dos corações a transbordar lava e apoplexia reminiscente e projetista, arquiteturas envidraçadas e frias não faltam, nem requintes de clarividência alheia, compreensiva/compassiva.

14. Tratos de polé é o que o meu corpo sente depois desse massacre que é o de atravessar a Utopia, sinto-me na dantesca antecâmara do Inferno ilustrada por Dalí; deve ser mais fácil o sofrimento dalílico.

13. Nem todas as faixas de todos os discos de todas as fases do R. Kelly me arrancam deste outro cenário, deste outro T0: eu.

12. Eu só queria um campo aberto-fechado, muito barroco e com árvores musculadas em flor.

11. É dura a pertença; dura a não pertença; dura a pertença; dura a enfermidade da ausência.

10. Não quero estar no grupo dos que acenam com lencinhos brancos - com renda.

9. Decorar a casa nova é redecorar uma sombra de encéfalo que seja? Deus, seja!

8. Desatracar e perder a rota dos sistemas: plano mirabolante para a velhice.

7. Todas as letargias do pecado são rançosas, foscas e estupidificantes.

6. Enguiço é não conseguir avistar para além da retaguarda.

5. A vida devia ser disco voador, de tão chata.

4. Não há nada que estanque este peito.

3. Astros, desçam agora, terra, up.

2. Música, sobe, tu, down.

1. Eu: foge já.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Dúvida primavervil pré-primaveril

Apercebo-me mais, agora pelas manhãs e inícios de tarde, do canto dos pássaros lá fora. Julgo que nunca ouvi tanta passarada em lado nenhum quanto em Guimarães.
 
É já a insidiosa Primavera? Ou há tempos já cantavam mas nenhum pavilhão do meu cérebro enferrujado dera por tão garboso festival?
 
As coisas, essas, as remotas, as fundas, as do sótão, estão sempre por lá? Vamos busca-las? Nunca saíram? Estão embrumadas? Incomunicáveis, perdidas? Assobiamos, ouvirão?
 
As coisas, as coisas.
 
Oh, as coisas!

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Sou mais São

A declamar Pessoa

Antónia - Santa Bárbara
 

Já há muito tempo devia ter saído posta laudatória sobre esta Daminha Atriz que, por tanto acha-la magnética, me fascina há alguns anos.
 
São José Correia corporiza, mais, carnaliza, todas as ideias associadas à mulher atraente, mulherão, mulher fatal, símbolo sexual, beleza indómita, mulher castigadora, etc. e muito. Mais importante, é uma atriz de quem não queremos afastar o olhar nem por um nano-segundo, e naturalmente que por (ainda) mais motivos do que os acima desfilados. Alia a emotividade à secura, a graça ao quase resvalar para uma certa vulgaridade que não passa de mui ténue ameaça (mas sublime), a profundidade daqueles olhos castanhos desmanteladores a uma festa espaventosa feminil.
 
Se tivesse de referir a nossa atriz mais hipnotizadora, sensualesca, animalesca, cerebral e intangível, seria São José Correia.
 
Mais bonita que apenas bonita; puro carisma; puro instinto; raça pura; puro sangue, cocktail de sangue, brasa, frutas maduras. A rebentar mais e melhor com o tempo, Cronos, há esperança.
 
Uau. Uau. Uau. Onomatopeia? Onomatopaica? Hey there?
 
Perante o indizível afunilam-se as verves.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Frases que me apetece pensar, dizer, escrever, ler infinitas vezes

A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.
A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.
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A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.
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A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.
A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.
A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.
A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua. A lídima guarda noturna da lua.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Gravidade

Tempo Slow (R. Kelly)
 
 

Gravity
 
Sempre achei que o filme Gravity devia ser chatérrimo. Talvez não tenha bem retido que o realizador é o Alfonso Cuarón, de quem sou fã pelo E a Tua Mãe Também, mas cujo Grandes Esperanças achei um pincel. Mas ele tem qualquer coisa.
 
Noutro dia alguém dizia que não gostava muito do R. Kelly. Eu logo afirmei ser muito fã. Tenho pensado muito neste super R&B performer, porque é um caso bicudo de apreciação. Pela antecedência criminal formal, foi absolvido de todas as acusações que lhe haviam sido dirigidas, e algumas delas bem escabrosas. Por outro lado, o que é que interessa o lado humano do artista, que importam os progenitores da arte? Não é ela, em si mesma, depois de emanar dos neurónios, das bocas, das cordas vocais, das horas laboriosas de papel e arranjos, no caso da música, um continente distinto de um ser humano com tremeliques, músculos e unhas? Não conquista o imaterial artístico uma segura independência do seu criador? Não se alforria, algodónicos, a criatura? Prefiro pensar que sim. Isto porque considero o R. Kelly um primoroso compositor, continuo a descobrir as suas produções e não paro de estacar. A crueza da lírica não consegue apagar, e muitas vezes enfatiza, o poder da melodia cinéfila e intensíssima de Kelly. Quem lê este rol singelo de anotações e queixumes que é o meu blog bem sabe que nunca música alguma superará, para mim, o fascínio, a enormidade, o gigantismo da MPB. Mas também por isso fico encantada quando conheço "novidades", ainda que carregadas de décadas.
 
Recentemente passou na televisão o filme Gravity. Estava a precisar de relaxamento quase total e aquelas imagens da magnífica Bullock a errar na negritude azul do Espaço convenceram-me. Pus a TV no mute. E a banda sonora da maior parte do filme, que vi, foi a formidável canção que deixo acima, Tempo Slow. Parecia um casamento estelar de ambiências. "Andamento lento/luzes baixas/deixa-me levar-te a um lugar/Onde só o amor se goza/Vem para o meu território/E deixa a vibração começar" (tradução minha, liberal e libertina).
 
A Bullock pelo Espaço num lugar azul e preto, a Terra abaixo, azul, a errância de todas as vidas.
 
E eu ali, na noite, no escuro da casa-cinema, com esses dois cenários fundidos mais a paz da gata Paloma, eu a DJ dessa improbabilidade surreal.
 
Tenho de dizer que amei.
 
Céus, como gostava de errar pelo Espaço e voltar!


domingo, 7 de fevereiro de 2016

domingo, 24 de janeiro de 2016

Whatever


E lá vão escolher os Presidentes do Mundo
Figurinos de secretaria e mesas de reuniões planetárias
Mãos nodosas, têmporas a ferver, cérebros com sono, espíritos missionários burocráticos
Posições de missionário
O cenário não excede um corredor (infinito, talvez)
De cacifos cinzentos
Para quê emular as rosas?
Abra os olhos leitor, faça um rewind ao passado
E aquele encontro a que não foi? Quanto à palavra, aquela que não caiu?
A fuga que não fez, a espera que perdeu, leitor, o alarido da cabeça insonorizada
O seu coração calafetado, leitor, os seus não chocolates, o colesterol
Em contramão, leitor, a vida em contramão, diga-me:
Para quê emular as rosas?
Mesmo que os dentes não tenham tártaro, nem cáries,
Mesmo estando os estômagos aceitáveis, o movimento do corpo sem atropelar os camiões
As palavras saem ácidas, arfa-se como um estertor, e analgésicos servirão
Para não sentir nada
Nada sentir
Nada, sentir
Mas em que águas?
As águas cristalinas só existem em desenhos animados japoneses
As águas estão mortas
Eu já morri uns 39 anos, 39 vezes e mais umas quantas entre ressurreições atarantadas
Falar qualquer língua
É não perceber nada
Não percebas, não nades
As águas estão mortas
Para quê emular as rosas?
Eu até vogaria nos teus olhos enormes
Até, com vagar, boiaria
Boiar é vencer a descrença, cama fluvial
Rio fossemos
Mas o céu caiu há vários milénios
Há vastos impérios
As águas morreram e os teus olhos
Não são ilhas mas continentais leitores
De letra impressa
Mais umas centenas de decapitados confusos antes do momento em que tudo acaba
Mais um memorando, mais uma cimeira
Mais uma banheira a meia haste com uma pessoa afogada
Falar com uma outra boca
É não perceber nada
Nada, uma boca
Nada, boca
Nada, boca, em mim
Esqueçamos isso
As águas estão mortas
Para quê emular as rosas?
Vamos apanhar o autocarro
Doparmo-nos de trabalho e filhos
Enlouquecer de vez e do baralho
Dormir à porta dos saldos
Dormir à tua porta
Perseguir todos os carros
Organizar os ordenados
Para pagar as contas e amadurecermos grisalhos
Sortudos e inscientes
Vamos ignorar a urbe, a menina apaixonada, a lambreta, a raiva entornada
A memória, vamos romper a memória
A depressão perturbada
Apenas consideraremos
A depressão das rochas no seu amor com o mar
O amor, o que quer que seja, preexiste
Inventar  a roda é para tolos
Vou engordar, mistificar-me obesa, comer bolos
O amor, repito, seja o que for, preexiste
Para quê gastar solas, para quê gastar selos?
Nenhuma mensagem dizível serve
Nenhuma gota de verve vai mudar o imutável
Plutão que seja saudável
Vamos brindar nas colinas e não fazer mais nada
Todas as coisas, na verdade, adormeceram
Todo o amor preexiste
A eleição que se lixe
Para quê emular as rosas?

sábado, 23 de janeiro de 2016

Presidenciais 2016

Para as Presidenciais 2016, a Alegoria da Primaverve apoia dois candidatos: Paulo de Morais e António Sampaio da Nóvoa.

Há alternativas objetivas num momento que se quer de viragem.

Não há inevitabilidades se nós não quisermos!

domingo, 17 de janeiro de 2016

Fico


Sirvo para dar comida aos pequenos pássaros. Para vigiar gatos doentes da minha janela meio suja, a chuva que a lave que não nasci para perder tempo a ganhar tempo e ou jeito. O mundo aflige-me porque é uma grande sala de urgências de hospital a céu aberto, doida. Levaram-me para as urgências e eu queria arrancar o soro do braço para desaparecer daquele cenário dantesco, e quero arrancar o soro agora, o da obrigação diária, para fugir desta fealdade desarmante. A fealdade em que nos tornamos desde a fecundação, seus abortistas criminosos. Criminosos, sim. Isto é equívoco na terra mas todos temos direito a ver o equívoco, não é privilégio de alguns este enlouquecimento diacrónico.
 
A solidão que segue ao descobrimento de outras ilhas; como será a solidão dos barcos, onde o grande coração dos barcos, nas quilhas, Professor Contente? Voltar ao despojamento de perder lembra aquelas grandes telas desterradas de Guillaumet, tintas de aridez e não sei se cansaço. Não sei já se me canso, se estou antes na plenitude do meu possível, sem hipótese de alteração por menor que seja, sem possibilidades de operar com menos energia, ou com mais força. Eu que queria ser uma eterna flor fresca, desertifico-me de presente. Com o passado e o futuro podemos bem. Se o presente se nega: para onde ir?
 
Quero de uma vez a solidão das seivas que furam a terra, a poesia indestronável dos troncos e ramos anoitecidos do arvoredo, o cheiro que traz a  vida como só o dos eucaliptos pode, a força dos ninhos, a força dos ninhos.
 
Gostaria que me deixassem. Que me deixassem.
 
Preciso de ir.
 
Para finalmente, naufragada, deserdada, desgrenhada, desvanecida e encantada, poder ficar. 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Parabéns, Mundo

Big Zang aquático
(Foto de Zim)


Vamos combiná, como dizem os manos brazucas, que nem vale por ora invocar todas as diabruras e impropérios repugnantes do dito. Certo é que, nestes momentos da Grande passagem (um dia para o outro, mas a História e a Civilização aliam-se para nos organizar um pouco, e também como dizia o Agostinho isto do Tempo sabe-se o que é mas explica-lo é que não), esquecemo-nos sempre de dar parabéns...ao Mundo.
 
Ao Mundo, à Ecúmena, mas por que não à Via Láctea, ao Universo, aos pluriversais pluriversos? Afinal, na sua saga de biliões, de ziões, de zing zangs, somam mais... um ano. Ah ah ah ah, responderá, jocoso, o Pluriverso. Meu caro, para nós é réveillon com foguetes, se têm a sorte da perspetiva sideral misto-infinita connosco é outra coisa, nesta esferagráfica pequena e deslumbrada com efemérides várias.
 
Assim sendo, Parabéns a você, Mundo, descoberto e a descobrir.
 
E quanto, a descobrir? Lá fora, extramuros, extraestrelas, no ocaso de todas as luzes, na fulgurância mística de todas as luzes e dentro de si, leitor?
 

*Feliz Ano Novo, alegóricos-maravilha.