quarta-feira, 30 de março de 2016

Um recado para o cronista Manuel Ribeiro

Olá, olá, Terra à Vista chama Manuel Ribeiro.

Terra à Vista chama, olá, olá.

Manuel, volte, temos saudades suas. Mesmo. Nem quero bem acreditar nos anos que passaram.

Volte, chapéus (ou bonés) há muitos! Esperamos por si.

segunda-feira, 28 de março de 2016

Fábula puerícia odalisca mantra

(Foto de Zim)

Todos os dias eu subia o monte e a passarada no alto cantava, fazendo-me passar. Ladeando o lago o cisne branco ciscava. A fazer-me cismar. Longe na colina o esquilo saltitava, fazendo-me esquiar. Escondido nas folhas o sapo coaxava para eu coxear. Debaixo do sol o gato ronronava. Para eu gatinhar. Entrementes, a serpente toda a noite enrolava. Para eu serpentear. No rio de água doce em brilho o peixe nadava, para eu pesquisar. O cavalo azul do Kadinski galopava para eu cavalgar. Atravesso a selva e o leão solta a juba. Para eu jubilar. Chego à encruzilhada e aí estás tu a olhar-me. Para eu te entoar.

Para eu te entoar.

Para eu te entoar.

Para eu te entoar.

Para eu te entoar.


                                Para eu te entoar

                                      Para eu te entuar

Para eu te em tu ar

                      Entoar

                                      em Tu Ar

Entoar

                           Entoar


Para eu te entoar.

Zem quietude

Encontrar uma saída. Ou uma entrada?

quinta-feira, 24 de março de 2016

Mau demais

A tríade
 
 
Agora que já voltaram das respetivas casas de banho após profuso vomitar, leitores, observem e meçam a repugnância que uma foto destas consegue ofertar. O acusado de pedofilia com um ministro e um "distinto" representante  da Igreja Católica. No lançamento do livrinho. Em que, qual guerreiro vingativo emanando castas verdades, o acusado acusa o poder de baixezas certamente em nada comparáveis às suas pequenas tentações.
 
O nojo e as suas intermináveis variantes performáticas.
 
Nada de novo, ainda assim nauseante.
 
Chibata, não? Hum? Choques...elétricos? Pena...cof cof...de morte? Não? Mesmo? Leitor, pense outra vez.

quarta-feira, 23 de março de 2016

A filosofia da chave de fendas

Diletos, o que vale é que o meu fraco encéfalo tem sempre tentações divagantes para se esquecer da sua desgraça.
 
Ontem montava cadeiras e mesa, e entre apertares selváticos de roscas ou lá o que é, e desmanchar de ações, ocorreu-me que, à semelhança das vicissitudes de compor mobiliário, assim vai a vida: com as dificuldades, aparentes ou reais, ganha-se análise, fôlego e exercício; com as facilidades, urge estar sempre mui atento não vá estarmos convencidos que já está e afinal... termos de desaparafusar e repetir.
 
E com esta ideia de alto quilate me resumo ao silêncio contrito.
 
Ah, carpinteiros do meu País, bem-hajam, um grande saravá, sou fã.

domingo, 20 de março de 2016

Marcelo Falcão I lobe you I do


                                        Marcelo Falcão (encanta) Eu amo você, de Tim Maia


Os pensamentos são como as cerejas. O vídeo do Tim Maia lembrou-me uma versão linda de uma outra sua canção pelo Marcelo Falcão.

Nisto descobri essa versão mas transfigurada por este sublime arranjo que desconhecia e no qual resplandecem todo o talento e beleza de Marcelo Falcão, para quem não sabe vocalista do meu amado O Rappa.

Ai, ai... Pólen.

Primavera

                                                             Tim Maia canta Primavera

 
Primavérvicos e algodónicos leitores, chegou a Primavera e, em jeito de celebração musical, temos o gigante Tim Maia a cantar e inspirar (e transpirar) a sua. As vozes do coro estão lindas.
 
Bom, e que dizer da Primavera e dos passarinhos a voltar e das flores a brotar e das alergias (especialmente minhotas) provavelmente a despontar? A dúvida fica a planar dentre os azuis que certamente virão. Brinco e imito a célebre e genial tirada de Paulo Leminski* e avento que, claro, nunca sabemos o que se segue à Primavera. Quem sabe uma surpresa vital magnífica, quem sabe apenas mais um Verão.
 
Palpites?
 
 
 
*"Você nunca vai saber o que vem depois de sábado, quem sabe um século muito mais lindo e mais sábio, quem sabe apenas mais um domingo."

domingo, 13 de março de 2016

A consulta do Além

O Dr. António Espadachim cofiou o bigode louro. Diacho, 18:50 e ia entrar a paciente das 17:00. Tudo atrasado, todos a abanar-se e a bufar na sala de espera. Agustina Santos, vamos a isso.

- Boa tarde Sr. Dr. Espadachim - saudou Agustina, com voz esmaecida.

António vasculha por uns segundos os ficheiros no computador, ajeitou o relógio em cima da mesa (olhar de viés para o pulso durante a consulta só resultaria em humilhação e constrangimento para os doentes, assim substituídos nas suas premências pelo desfile militar de Cronos), afivelou um sorriso caloroso e levantou-se para cumprimentar a cansada senhora.

- Agustina, como se encontra?

-  Ai, nada bem Sr. Dr..

Diga-me alguma coisa que eu não saiba, minha santa - congeminou mui rapidamente Espadachim. Não se queixava, porém, ser Psicoterapeuta fora uma escolha e uma missão. Mas quarenta anos de profissão já pesavam.

- Então, como foi a semana?

- Bom, as duas semanas....

Hum, resmunga o Psicólogo para o intra-eu. Tenta abrir a ficha, o ficheiro não abre. Teme um vírus e fixa-se, sereno, no rosto de Agustina.

- Exato...Está com um ar cansado. Como tem dormido? Agustina, desliga-me por favor a luz do interruptor? A do pequeno candeeiro basta-nos, creio. É que o paciente anterior via mal, e não queria parecer um fantasma, eh eh.

Agustina arregalou os olhos. Tímida, porém, assentiu.

-Pois, cheia de nervos, o problema continua e ando muito nervosa. Olho para os pulsos e imagino-me a cortar as veias, mas Sr. Dr., eu nem posso ver sangue. Também me imagino a atirar de uma ponte qualquer. Mas não sei nadar.

Espadachim arqueia as sobrancelhas. Hora solene de não dizer, como em todas, nenhuma incoveniência, mas tinha de abordar o aparentemente contraditório facto.

- Nadar seria importante ao atirar-se da ponte? - perguntou, com melíflua  semi-doçura.
- Ai pois, vá que eu não me finava logo? Ficar ali a engolir água e a ser devorada por tubarões...

Not that fast, ocorreu imediatamente a Espadachim. Reprimiu um bocejo, tossicando.

- O sofrimento. Sempre o sofrimento, não é? Uma experiência como a sua, Agustina, nunca suprime o sofrimento como um receio, mas que sabe que pode aprender a arrumar, a circunscrever no tempo e no espaço. Uma violação fere para sempre, contudo, e é saudável partirmos dessa verdade.

Agustina fitou o psicólogo, piscou os olhos.

- Bem, é realmente quase uma violação, este sentir permanente medo de tudo. Do escuro principalmente... - Olhou para o candeeiro de soslaio, António mordeu ligeiramente os lábios e resolveu ir em frente.

- O seu padrasto tem tentado contacta-la?

- O meu padrasto? O meu padrasto morreu há dez anos...não percebo o que...

Shit shit shit. Espadachim espalhou-se. Não queria tentar abrir de novo o ficheiro.
Reminiscências sucessivas maceravam-lhe o cérebro sem ajudar. E estava cheio de fome. E há três horas sem ir à casa de banho. Ferro sobre ferro. Mas o doente não podia perder a confiança, não podia perder a consistência da coisa, o próprio apertadinho ou não.

- Sabe que a nossa mente, a nossa mente comunica mesmo com o que não está, e confabula igualmente ser chamada...entende?

Agustina arregalou novamente os olhos, quase se persignando. Mas teve vergonha, aquelas pessoas da ciência podiam troçar da sua fé.

- Refere-se assim a um contacto...do Além?

- Não, não, Agustina. Do Aquém, do Aquém. Sempre do Aquém e do Aqui. Daqui - Espadachim sorria, confiante, apontando a cabeça semi-calva.

- Hum.... não, não tenho pensado no meu padrasto. E também, depois do que ele fez à minha tia-avó... nem pensamentos, Dr., nem pensamentos!

António Espadachim perscrutou o ar. Incunábulos, por Psiché, desçam sobre mim e iluminem-me que isto está bravo.

- A tia-avó foi, também, uma vítima?

- Uma vítima? Sabe lá Dr. Espadachim, roubou-a! Levou-lhe tudo, tudo!

- Mas por vingança pessoal, por capricho? Tendo sido o seu padrasto um homem abastado...

- Abastado! Ah, coitado, um Zé Ninguém, andava sempre a pedir.... Tinha um ou outro terreno mas não fazia nadinha.

- Ou seja, fazia, mas só aos outros.

- Pois pois!

- E Agustina, e o trabalho?

- Vai bem, sabe que ser parteira é o que mais gosto...

Espadachim escorregou a mão direita para o rato. O ficheiro abriu. Buf, fechou. Écran branco.

- E como tem dormido?

- Com muitos nervos, Dr., como disse... Já me tinha perguntado-sorriu bondosamente. Estaria cansado, coitado.

- Sim, mas refiz a pergunta... Técnicas Agustina, técnicas-sorriu com bonomia. Não podia arriscar muito mais, visivelmente havia ali, Houston, um qualquer problema.

- Tem pensado no sucedido? - perguntou em tom neutro.

- Em...quê?

- Naquilo que lhe aconteceu.

- Oh, sim...permanentemente. A marca fica.

- Claro. Uma violação fica e repete-se.

- Amm... Sim, a casa ficou toda espatifada. Violação de propriedade, sem dúvida.

- A Agustina não estará a exteriorizar demasiado os efeitos do sucedido? Como se
esquecesse, dessa forma, o que se passou com o seu corpo?

- Hum..eu no meio do assalto só sofri uma arranhadela quando a estante caiu e me roçou no braço...

- Agustina, está em negação. Uma violação é uma violação. Está preparada para o assumir?

- Mas Sr. Dr. eu não fui violada, a minha prima é que foi, pelo carteiro que era irmão do meu noivo! Muitas vezes pensei que preferia ter sido eu a vítima!...

A prima, o carteiro, o noivo, trina salganhada! O dedo no botão do rato, o branco imaculado-impiedoso do écran. Nada.

- Agustina, a violação não tem de ser connosco, torna-se universal. Não o foi, mas sofreu como se fosse na pele. É importante não esquecer isto, não lhe parece?

- Sim claro Sr. Dr., e não o esqueço, apesar de terem passado dezoito anos.

Espadachim tossicou. Era a hora, via a reforma no horizonte como um sol nascente libertador a aproximar-se em redentoras passadas ígneas.

- Vamos terminar agora, Agustina. Um resto de bom dia e até à próxima consulta...Vou marcar aqui à mão pois estou com problemas no computador.... Dia 13, Agustina Santos.

- Saraiva Dr., Saraiva.

Espadachim fitou a doente comicamente. Parecia ter sido trespassado por uma bala mesmo nos recônditos do cérebro.

- Claro, Saraiva, Agustina Saraiva, aqui está.

Cumprimentos, adeuses.

Complicadamente, o écran azulou. O ficheiro abriu. Demasiadas Agustinas, duas bastavam. Épico. Espadachim recostou-se na cadeira. Esperem vinte minutos agora. No mínimo.

terça-feira, 8 de março de 2016

Cumprimentos do Joyce

" Que afinidades lhe pareciam existir entre a lua e a mulher?

 A sua antiguidade em preceder e sobreviver a sucessivas gerações telúricas: a sua predominância noctuna: a sua dependência satelítica: o seu reflexo luminar: a sua constância durante todas as suas fases, erguendo-se e pondo-se às suas horas marcadas, crescendo e minguando: a invariabilidade forçada do seu aspecto: a sua resposta indeterminada à interrogação não afirmativa: a sua potência sobre águas efluentes e refluentes: o seu poder de enamorar, de mortificar, de conferir beleza, de enlouquecer, de incitar e auxiliar a delinquência: a tranquila inescrutabilidade do seu rosto: a terribilidade da sua isolada dominante implacável resplandecente propinquidade: os seus presságios de tempestade e de calmaria: o estímulo da sua luz, do seu movimento e da sua presença: a admonição das suas crateras, dos seus mares áridos, do seu silêncio: o seu esplendor, quando visível: a sua atracção, quando invisível."
 
James Joyce, Ulisses

Olhó dia das daminhas


                                                      
                                                 Ana Carolina canta Eu Gosto de Mulher


Isto dos dias das coisas tem o seu quê entre o pitoresco e o torpe.

Como acho irresistível esta interpretação da Ana Carolina, aqui fica em jeito de brinde às mulheres, aos homens, aos diversos tipos de enamoramento, de atração, de famílias, de orientação existencial vária e vasta.

Cheers, ladies and gentlemen.

domingo, 6 de março de 2016

Quando há beleza

 
                                                           
                                                             Dona do Horizonte (Djavan)
 
 
A minha preferida do último do Djavan, Vidas pra Contar.
 
Grata Mana Amada, por  mo teres trazido quando outra música se fechava para mim, ou eu para ela.
 
Amor.

Quando há beleza na minha vida, Mana, tu estás.

Talho


O céu azul e a vida corta sempre mais. A diz-se que prostituta assassinada, tudo é mais próximo em Guimarães. Um dia de sol, as rosas exultam, ou outras, decotadas. E essa, a vida, corta-me sempre mais. Na tábua, na mesa de operações, no dia aberto; um dedo, a artéria, um mamilo, a ponta da língua. Um corte, gigante, uma cirurgia plástica ao contrário. O dissemelhante, o fosso, a aresta, o mundo tolo e ordinário a queimar-me. Viva.
 
O dissemelhante não precisaria de matar. Em vida.
 
De matar. Em vida.