terça-feira, 27 de setembro de 2011

Doces Duros*

Allen Ginsberg

Todos nós gostamos e precisamos de conforto, tranquilidade, suavidade - não direi doçura uma vez que há seres que, não obstante sencientes, desmaiam perante a antevisão de um vocábulo como “doçura”, que às suas mentes pragmáticas ocorre como um espectro vagamente "vooduzante" e para todo o sempre enfraquecedor das suas almas viris.

O certo, porém, é que há pessoas e, mais precisamente, artistas e escritores que nos tomam não pelos seus contornos mais amenos, por uma qualquer empatia de simpático enleio, mas pela dureza que nos mostram nas suas palavras, quadros, filmes. Pela crueza da forma de se aliviarem pela expressão, como se da satisfação de uma premente necessidade fisiológica (e não o será também?) se tratasse. Da nua tristeza que, de bandeja, nos oferecem nas suas evocações, no tropel das suas memórias, na vaga inconsistência do seu devaneio, por vezes em pueril voo rasante às nossas próprias fantasmagorias, halo permanente da nossa fraca e condicionada definição física, em nome e através da sua vitalidade fatal. Falo de Pedro Almodovar, Clarice Lispector, Salvador Dalí, Pablo Picasso, Egon Schiele, Jack Kerouac, Federico Fellini, Jean-Luc Godard, Arnaldo Jabor, Carlos Dummond de Andrade, Michele Placido,  Fernando Pessoa, falo sobretudo de Allen Ginsberg. Desses que tantas vezes nos dão guarida quando pensamos que é às suas obras que arrumamos em nossas casas ou nas nossas retinas.

A sua dureza, que se faz doce depois do choque frontal dos nossos pensamentos com os seus, das nossas emoções com as suas, fá-los também nossos irmãos nesta grande fraternidade da dor e de uma avidez inapelável que não se esgota no submundo das nossas veias e que se chama mistério.

Falarei de outros, eventualmente, muitos outros. Inomináveis agora, falo de anónimos, de todas as almas ledas e puras, mais ou menos insanas, pecadoras e aflitas que nos lembram com um talento desconfortável e com zero ergonomia o quanto é transtornante e comovente existir.

* Não escrevi Doces Bárbaros porque não gosto cá de plágios/faltas de imaginação.

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