domingo, 24 de janeiro de 2016

Whatever


E lá vão escolher os Presidentes do Mundo
Figurinos de secretaria e mesas de reuniões planetárias
Mãos nodosas, têmporas a ferver, cérebros com sono, espíritos missionários burocráticos
Posições de missionário
O cenário não excede um corredor (infinito, talvez)
De cacifos cinzentos
Para quê emular as rosas?
Abra os olhos leitor, faça um rewind ao passado
E aquele encontro a que não foi? Quanto à palavra, aquela que não caiu?
A fuga que não fez, a espera que perdeu, leitor, o alarido da cabeça insonorizada
O seu coração calafetado, leitor, os seus não chocolates, o colesterol
Em contramão, leitor, a vida em contramão, diga-me:
Para quê emular as rosas?
Mesmo que os dentes não tenham tártaro, nem cáries,
Mesmo estando os estômagos aceitáveis, o movimento do corpo sem atropelar os camiões
As palavras saem ácidas, arfa-se como um estertor, e analgésicos servirão
Para não sentir nada
Nada sentir
Nada, sentir
Mas em que águas?
As águas cristalinas só existem em desenhos animados japoneses
As águas estão mortas
Eu já morri uns 39 anos, 39 vezes e mais umas quantas entre ressurreições atarantadas
Falar qualquer língua
É não perceber nada
Não percebas, não nades
As águas estão mortas
Para quê emular as rosas?
Eu até vogaria nos teus olhos enormes
Até, com vagar, boiaria
Boiar é vencer a descrença, cama fluvial
Rio fossemos
Mas o céu caiu há vários milénios
Há vastos impérios
As águas morreram e os teus olhos
Não são ilhas mas continentais leitores
De letra impressa
Mais umas centenas de decapitados confusos antes do momento em que tudo acaba
Mais um memorando, mais uma cimeira
Mais uma banheira a meia haste com uma pessoa afogada
Falar com uma outra boca
É não perceber nada
Nada, uma boca
Nada, boca
Nada, boca, em mim
Esqueçamos isso
As águas estão mortas
Para quê emular as rosas?
Vamos apanhar o autocarro
Doparmo-nos de trabalho e filhos
Enlouquecer de vez e do baralho
Dormir à porta dos saldos
Dormir à tua porta
Perseguir todos os carros
Organizar os ordenados
Para pagar as contas e amadurecermos grisalhos
Sortudos e inscientes
Vamos ignorar a urbe, a menina apaixonada, a lambreta, a raiva entornada
A memória, vamos romper a memória
A depressão perturbada
Apenas consideraremos
A depressão das rochas no seu amor com o mar
O amor, o que quer que seja, preexiste
Inventar  a roda é para tolos
Vou engordar, mistificar-me obesa, comer bolos
O amor, repito, seja o que for, preexiste
Para quê gastar solas, para quê gastar selos?
Nenhuma mensagem dizível serve
Nenhuma gota de verve vai mudar o imutável
Plutão que seja saudável
Vamos brindar nas colinas e não fazer mais nada
Todas as coisas, na verdade, adormeceram
Todo o amor preexiste
A eleição que se lixe
Para quê emular as rosas?

sábado, 23 de janeiro de 2016

Presidenciais 2016

Para as Presidenciais 2016, a Alegoria da Primaverve apoia dois candidatos: Paulo de Morais e António Sampaio da Nóvoa.

Há alternativas objetivas num momento que se quer de viragem.

Não há inevitabilidades se nós não quisermos!

domingo, 17 de janeiro de 2016

Fico


Sirvo para dar comida aos pequenos pássaros. Para vigiar gatos doentes da minha janela meio suja, a chuva que a lave que não nasci para perder tempo a ganhar tempo e ou jeito. O mundo aflige-me porque é uma grande sala de urgências de hospital a céu aberto, doida. Levaram-me para as urgências e eu queria arrancar o soro do braço para desaparecer daquele cenário dantesco, e quero arrancar o soro agora, o da obrigação diária, para fugir desta fealdade desarmante. A fealdade em que nos tornamos desde a fecundação, seus abortistas criminosos. Criminosos, sim. Isto é equívoco na terra mas todos temos direito a ver o equívoco, não é privilégio de alguns este enlouquecimento diacrónico.
 
A solidão que segue ao descobrimento de outras ilhas; como será a solidão dos barcos, onde o grande coração dos barcos, nas quilhas, Professor Contente? Voltar ao despojamento de perder lembra aquelas grandes telas desterradas de Guillaumet, tintas de aridez e não sei se cansaço. Não sei já se me canso, se estou antes na plenitude do meu possível, sem hipótese de alteração por menor que seja, sem possibilidades de operar com menos energia, ou com mais força. Eu que queria ser uma eterna flor fresca, desertifico-me de presente. Com o passado e o futuro podemos bem. Se o presente se nega: para onde ir?
 
Quero de uma vez a solidão das seivas que furam a terra, a poesia indestronável dos troncos e ramos anoitecidos do arvoredo, o cheiro que traz a  vida como só o dos eucaliptos pode, a força dos ninhos, a força dos ninhos.
 
Gostaria que me deixassem. Que me deixassem.
 
Preciso de ir.
 
Para finalmente, naufragada, deserdada, desgrenhada, desvanecida e encantada, poder ficar. 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Parabéns, Mundo

Big Zang aquático
(Foto de Zim)


Vamos combiná, como dizem os manos brazucas, que nem vale por ora invocar todas as diabruras e impropérios repugnantes do dito. Certo é que, nestes momentos da Grande passagem (um dia para o outro, mas a História e a Civilização aliam-se para nos organizar um pouco, e também como dizia o Agostinho isto do Tempo sabe-se o que é mas explica-lo é que não), esquecemo-nos sempre de dar parabéns...ao Mundo.
 
Ao Mundo, à Ecúmena, mas por que não à Via Láctea, ao Universo, aos pluriversais pluriversos? Afinal, na sua saga de biliões, de ziões, de zing zangs, somam mais... um ano. Ah ah ah ah, responderá, jocoso, o Pluriverso. Meu caro, para nós é réveillon com foguetes, se têm a sorte da perspetiva sideral misto-infinita connosco é outra coisa, nesta esferagráfica pequena e deslumbrada com efemérides várias.
 
Assim sendo, Parabéns a você, Mundo, descoberto e a descobrir.
 
E quanto, a descobrir? Lá fora, extramuros, extraestrelas, no ocaso de todas as luzes, na fulgurância mística de todas as luzes e dentro de si, leitor?
 

*Feliz Ano Novo, alegóricos-maravilha.