domingo, 4 de maio de 2014

Amar Portugal

 

(Portugal - Foto de Zim)
 
 
Continuando no meu internamento campestre, com vários passeios deliciosos cada dia, ocorreu-me hoje o que, em boa verdade, me tem vindo sistematicamente ao pensamento nos últimos tempos: como não amar Portugal? (Ok, e a Espanha, a França, a Itália, o mundo, mas...) Numa curta estadia na Dinamarca, em conversa fortuita com uma simpática local e com direito a uma sessão fabulosa de jazz onde ela não ia há séculos, diz-me a senhora do seu país que não tinha a diversidade do nosso. Acreditei piamente, pois fiz uma viagem de comboio até Helsingor (famoso local shakesperiano), e a natureza pareceu-me bonita e monótona, na sua direiteza verde, na ausência de incidente orográfico, na discrição dos efeitos da paisagem.

O nosso pequeno País consegue concentrar em si um delicioso punhado de uma generosidade estética incrível. As maravilhas do Douro, as fragas e as serras, os rios e os regatinhos, as curvas e contracurvas transmontanas, a doçura montanhosa do centro, as nossas latadas, os nossos carvalhos, o nosso pinhal, as festas da aldeia, a poesia da lezíria, a imensidão alentejana, os mares sem fim e as fofas areias algarvias. As nossas aldeias de pedra, as nossas cidades de luz, as nossas quatro estações e a delícia do nosso sol e céu azul! Os nossos costumes brandos, às vezes de endoidecer qualquer um, mas muitas vezes gentis e solidários. O nosso património literário de infinita beleza e impressão, impressão queiroziana, camoniana, camiliana, pessoana, andradiana, o'neilina, breyneriana, carneiriana, jorgiana, saramaguiana, fonsequiana, rosiana, garrettiana, pascoaesiana, borgiana, rodriguesiana, migueisiana, tantas mais anas! Os semblantes inesquecíveis de Teixeira Lopes, para sempre esculpidos na sua saudade, o sol frutado nas telas de Silva Porto, a demanda de Amadeo Sousa Cardoso, a avalanches retas e errantes de Vieira da Silva, talentos musicais (muito menos do que gostaria, mas puríssimo luxo quantos existem maiores) como Madredeus, Teresa Salgueiro, Sérgio Godinho, Fausto, B Fachada, Rui Veloso, Abrunhosa, Sara Tavares, os filmes fábulas fabulosos de Manoel de Oliveira, as personagens de Leonor Silveira, de Maria de Medeiros, de Luís Miguel Sintra, de Eunice Munõz, os traços viventes de Siza, o desenho de Souto Moura, a imaginação instigante de Ana Salazar, o Cristiano Ronaldo, o Mourinho, o FC Porto, o fado (não muito fã, mas com estes pensamento hoje até me veio à mente "é uma casa portuguesa com certeza" ), o deslumbramento dos nossos vinhos, da nossa Sagres, da nossa comida e doçaria (versões vegan  é claro), a nossa Farinha 33, o nosso pão! Os nossos guinesses malucos, a nossa História rocambolesca, apaixonante, pioneira, referência, o encontro de culturas em que participámos. A nossa revolução com cravos, a nossa lógica felizmente republicana, a nossa língua! A língua mais bonita do mundo, aos meus ouvidos, às minhas retinas, às minhas sensações, ao céu da minha boca. A nossa aspereza meiga, o nosso pensamento-seiva, o nosso desenrascanço, diacho! O nosso Humberto Delgado, o nosso Aristides Sousa Mendes, as nossas pronúncias!
 
O nosso caminho, a nossa alienação entre o totó e o búdico, o nosso provincianismo por vezes torpe, por vezes terno, o nosso portal Sapo. A nossa proximidade de fechar o País num abraço, de Miranda do Douro a Sagres, de Vila Real de Santo António a Caminha! As nossas águas frescas, os nossos olhos castanhos, o nosso Interior, o nosso Litoral, a nossa Psique psicadélica, o nosso rir de nós próprios, as nossas ilhas oníricas floridas, verdes, douradas e lindas, a nossa paixão que, aqui e ali, pisca luminosa e fecunda, o nosso Império da saudade.
 
Antes dizia amar o Brasil. Continuo a amar, é o meu outro país, o país-casa, o país-palavra-língua-casa também. Mas aprendi e felizmente, a percorrê-lo, a desesperar-me, a desentendê-lo e a fruí-lo, a ser com ele no tempo, a ser com ele no espaço, a amar Portugal.
 
Como não?




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