Coelhal, Pedrógão Grande (Foto de Zim) |
64 pessoas mortas. A minoria,
ainda assim atroz, em aldeias selvaticamente afligidas pelo monstro de línguas
e bafo a esmo. 47 numa estrada, a tentar preservar a vida. O homem que perde a
mulher e a filha, tendo seguido em carros distintos para transportar
familiares. O rapaz que, desesperado, foge e leva consigo a mãe num automóvel
que, minutos depois, os levaria para sempre para um triste e doloroso
inexistir. O casal que, com os filhos, passara umas horas felizes na Praia das
Rocas, e tantos outros. Os choques, o fumo sem fim, as mortes sentadas,
deitadas no alcatrão ardente. Os meus pais e a sua aflição, felizes
sobreviventes depois de terem sido rodeados pelo fogo na sua casa, com vidros a
partir e a trazer ainda mais a presença de uma morte que lhes pareceu, em
alguns momentos, certa. Os meus familiares e amigos aflitos e abraçados, na
espera do que fosse. O gato Pitangui, que não sei se alguma vez tornarei a ver,
que só caminhava entre os meus pais, que não me abandonava um segundo nos meus
passeios pelo campo, que fazia “mucancas”, segundo o meu pai, para ser
engraçado para nós. Outros gatos, outros cães, ovelhas, caracóis, passarinhos,
serenamente inertes no chão onde se despediram de todas as canções, de toda a
alegria da sombra. E outros tantos. As casas, as terras, uma aldeia que eu
amava, o sítio mais amado por mim, em cinzas. O sentimento lar, para tantos. Os
abraços que nunca mais se repetirão, os vizinhos que ficam sem outros vizinhos,
amigos, familiares, lembranças. As lembranças daquela estrada onde também
deixei uma hortense. O desespero, a minha agonia, a confusão, a dor sem
córregos para continuar de forma a limpar-nos. O retardar a vontade de chorar e
gemer tudo, por tudo ser tão cortante. A ferro, a fogo, literalmente. Uma
cadelinha que encontrei com Leishmaniose, no lugar do Pitangui, e que pode ser
tenha tido sorte.
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