quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Lobotomix

Certamente que não se trata de nenhuma tentativa (falhada!) de emular aqui um Kaddish, longo poema de um dos poetas mais "meus", Allen Ginsberg. Não, nada que se pareça. Só que esta sensação, esta sensação, almas generosas, é estranha. Antes talvez isso quisesse dizer parto poetastro. Estou parada, são mais que horas de dormir, e o meu coração bate, bate, em total desproporção. A cabeça parece que foi escavacada e que ficou sem uma parede, os ouvidos vez ou outra fecham-se. Aquecedores e ares condicionados? Se o peito não batesse tanto, até ficar dorido... Por que é que o coração invade a traqueia e pretende pular, não conseguirei, por artes absolutamente naturais, sentir-me bem e sem dores e desconforto? A única coisa sequente é o desalinho, a fímbria perigosa do "tudo pode acontecer" encrespa-se e ali fica, congelada e superior num horizonte desfocado, só ela real, apenas ela a reunir nitidez.

De poeta e de louco...pois. Eis os ouvidos a intercomunicarem-se na confusão, e pam, pam, pam, pam, pam...Não sabe o lado esquerdo que a esta hora a lei do ruído vigora, plenipotenciária e severa (sic)?

Penso nas luzes do céu frio e tão puro do campo, um céu de tomar banho e de reescrever a vida com as estrelas nos olhos. Esta imundície só pode atrofiar-nos os membros e degenerar-nos a musculatura da regeneração. Pam, pam, pam, pam.

Falo para um mudo, o meu peito não me ouve, assiste-lhe a verborreia ignara dos que não querem saber de nada - "motor imóvel"? Dói-me. Que fazer, dói-me. Um comprimido, dói-me, chaise-longue, dói-me, um bilhete para alhures, dói-me, a circum-navegação lunar, dói-me, o ouvido direito, pulsa, a cabeça, alastra, a náusea, insinua-se-me pacóvia sem graça, o coração, pum, pam, pum, as minhas mãos, dói-me, o teclado, dói-me, o écran, dói-me, este estar, dói-me, dissolução, dói-me, aquela tarde, dói-me, o esquecimento, dói-me, este mal-estar, dói-me, este pesar, dói-me, a impureza, dói-me, o enferrujado esqueleto em que me transporto e onde vou sucumbir e sucumbo, apaixonada nas eternas vésperas da minha deflagração, dói-me, este cansaço, dói-me, esta exaustão, dói-me, dói-me, dói-me, dói-me, dói-me. Dói-me e explode-se-me como se sofresse ataques cardíacos sucessivos de mil corações desprogramados.

Dói-me a falta de talento, talvez a minha, provavelmente a minha. Só pode ser a minha. Faz-me contusões.

O pescoço, dói-me, as horas a menstruarem todos os relógios do mundo, do mundo que me dói, vagabundo, dói, vagabundo, dói!

Só queria uma vaga abundante, impoluta e incolor, que me fosse limonada, narciso, sono, solto, sem sonho. Indolor.

Que inaturável chorrilho! Doloroso sudário de letras que, adivinhem:

dói.

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