segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Oceano

Paula Morelenbaum, Ryuichi Sakamoto e Jacques Morelenbaum - Sayonara

Querido Carlos, diga-me que aí nesse sítio tem acesso à Internet. Já sei que diria "Nem pense nisso!", ainda com direito a mandar-me bugiar. Entendo perfeitamente. Não foi só hoje que me lembrei de si. Na verdade, lembro-me as vezes suficientes, ainda noutro dia me ocorreu a sua metáfora de "um gole de vinho bom" para as boas coisas passadas. Reconfortante, não nego, e veraz. Quando o é, claro.

Sabe, fico contente por lhe ter apresentado a voz sem descrição da Paula Morelenbaum, de que tanto gostou. Ela merece ser amada. Essa canção aí de cima nem sei de quem é (mas ouço o Tom por todos os lados e requebros da melodia...), só sei que é linda e que pode bem acompanhar esta minha improvável missiva, que talvez muitos olhos vão ler excepto, diria, os seus. Saudades, amigo, até de me amofinar e ralhar para me "interessar por alguma coisa". Sei que sabe o quanto isso é difícil, este mundo é tão desinteressante demasiadas vezes, mesmo sendo o Caetano a dizer que "O Mundo Não é Chato", num seu livro por acaso (ou não por acaso, certo), maravilhoso. A coisa é realmente entontecedora já que é tão fácil que as gentes que  muito sentem se interessem. Depois, claro está, vem tudo o resto, e para essas gentes pode incluir torrentes diluvianas de deceção e miséria. Perdoe, mas já usamos o Acordo Ortográfico. Sim, é aborrecido. Mesmo com a nossa mútua mais que simpatia pelo Brasil. Lembra-se quando a Dora F.S. partiu? Disse-me, numa boa ironia que me aliviou um pouco no contexto, que "Veja lá, as pessoas têm esta coisa de morrer!", ou algo parecido. Digo-lhe o mesmo hein, camarada? (Deve detestar o termo, ou talvez não.)

Estava a precisar de um dos seus abanões e ralhetes, talvez que me distraísse com a minudente mostra da sua coleção de cachimbos. O mundo não nos deve felicidade, não era o que dizia? Sei que cada um de nós tem em si alguma coisa de tão significativa e incomportável que, isso sim, nos faz dever e tomar ao mundo, ao mundo que somos nós e os outros. Apenas, há durezas e tristezas e buracos negros que nos sorvem os ensaios de regeneração que por vezes levam uma vida a conseguir; um simples esquisso, uma eternidade Carlos, sei que percebe, então não! Enfrentar o despovoamento é recomeçar a intentona. Em que caravela, nau, não sei. Só sei que agora já não posso conversar consigo, bom amigo, que não vai poder dizer palavra a esta carta, nem a nenhuma outra que possa vir a mandar. E é por essa impossibilidade que ainda não quero ir. Porque há um imenso possível que não está longe, mas pertíssimo. É o passo, o trejeito para lá chegar que se faz himalaico, everestiano, transgalático, quase inexprimível. Para isso é precisa a viagem, necessário o sentido, o apaziguamento das dores e dos fados, o além deste cansaço. Imperativo: sobreviver. Não sabia que era assim. E quem o saberia?

Talvez achasse graça a esta Alegoria, ainda que possivelmente a considerasse demasiado cheia de ameninades. Mas sei que riria, vez ou outra, com as minhas disparatadas perplexidades.

Saudades e afeto, para sempre.