domingo, 4 de outubro de 2015

Alegoria regressa...no Dia Mundial dos Animais - e as entrevistas que tais


Mais um dia Mundial do Animal, 4 de Outubro de 2015!...
…e mais entrevistas do imaginário que espelham fielmente o mundo real. Ora vejam!
 
Resolvi sair outra vez pela rua e inquirir as pessoas sobre os animais: direitos, ser, consciência, etc.. As extraordinárias perguntas e mirabolantes respostas, mescladas de pinceladas um pouco bolorentas de “senso comum” seguem abaixo para vosso deleite, para vossa esquizofrenia e, quem sabe, para um repensar. Em inglês…think again.
 
O tecnicista
Tamborim Zim – Bom dia, pode responder-me a uma simples pergunta como esta: acredita na consciência animal?
O tecnicista – Quê, hum… Ah, consciência animal. Ná, não. O pensamento é exclusivo da raça humana.
TZB-bom, o pensamento tal como somos capazes de o…pensar. Mas referia-me à consciência, sabe que um Manifesto da comunidade científica, assinado em Cambridge, 2012, por neurocientistas, neurofisiologistas, etc., concluiu que os animais têm consciência e a expressam, em muitos casos de forma muito semelhante à dos humanos?
O tecnicista – Não vi esse programa, mas o ser humano é que é racional, é isso que nos distingue dos animais.
TZ – Hum… E que me diz ao consumo massivo dos animais para servirem de alimentação?
O tecnicista – Ora nem pode ser de outro modo, se não onde é que a gente os punha? É que o planeta já tem gente e bichos que cheguem. Aliás, se não os comêssemos, muitos deles já nem existiam.
TZ – Sucede então, digamos, um pequeno favor dos humanos aos animais, ao comê-los?
O tecnicista – Ai pode crer, pode crer. Veja as pradarias, veja a terra e mais terra que serve para pastorícia. Não fôramos nós, nem existiam.
TZ – Mas não julga que é a produção intencional e massificadora de animais para comer que resulta nessa sobreexploração de terra, e na existência de um número não natural mas exatamente fabricado dos animais?
O tecnicista – Pois, mas tem de ser, é a cadeia alimentar. De outra forma nem existiam, assim sempre vão pastando.
 
O toureiro
TZ – Salut, bom dia, vinha tirar-lhe um minutinho para lhe perguntar o que acha sobre os direitos dos animais.
O toureiro – Ai, por Deus, por Deus, vocês são muito chatos com isso pá.
TZ – Ora, mas como assim?
O toureiro – Acho muito bem que lutem pelos direitos dos animais, pá, eu próprio tive uma cadelinha que era um mimo,  Lizinha, por 15 anos! 15 anos, veja bem, nunca lhe faltou nada e ia ao veterinário e tudo! Mas agora contra o toiro! Contra o toiro eu não admito! Baf!
TZ – É preciso apaziguar, é preciso apaziguar um pedaço. Não somos contra o touro, mas pró-touro. É por isso que somos contra as touradas! Tourada é coisa que se faz com touro, correto, não é sinónimo do boi.
O toureiro – Olhe minha senhora, eu não estou aqui para ser ofendido. Haja respeito! Do boi?! Vocês dos animais são mesmo muito ignorantes e duros de entendimento, para além de republicanos. Não é boi, é toiro! E saiba, minha senhora, que se o toiro existe o deve a nós, aos aficionados, aos apaixonados pelo toiro, que é força de caráter, nobreza e galhardia! Vocês nunca compreenderão os meândricos corredores da mente do toiro, do seu olhar, da sua ancestralidade!
TZ –  Mas compreendemos perfeitamente aquela parte do touro que sangra, em chaga, quando é espetado pelas vossas bandarilhas lúdicas mas que rasgam. E os seus olhos choram, isso também é percetível sob mirada atenta. Além disso, vocês bem sabem que os maus tratos da tourada não se esgotam na arena: antes, durante e depois. Drogas, anestesias, horas e horas em dores e febre antes de morrerem! Não lhe parece indigno tal tratamento?
O toureiro – Minha senhora, informe-se! Vá à Torre do Tombo pesquisar os vetustos incunábulos do saber, onde está sacramentado que o toiro é adulado, em êxtase, antes, durante e depois! É todo um ritual magistral de sacrifício e de demonstração de coragem que escapa às vossas simplórias vistas. Defendam mas é o gatinho e o periquito e deixem o toiro a quem o trabalha…cof, a quem o merece!
TZ – Porém, poderíamos atrever-nos a contrariar que coragem seria estarem a sós com o touro, com iguais instrumentos. E ainda assim não seria coragem mas apenas puro ataque, não lhe parece? Quem provoca quem, afinal? E na arena tudo o que não se vislumbra é igualdade de forças…
O toureiro – Ah pois não se vislumbra porque há é muita desigualdade, o toiro é uma besta de força, rebenta com tudo se não for devidamente tenteado, toureado, dominado, o toiro é um mundo!
TZ – B-bem…muito viçoso não há de estar com o tratamento a que é sujeito antes, durante e depois… Mas diga-me, em relação à questão do direito, ou da ética mesmo. Não compliquemos, do direito, vá: acha que temos o direito de nos divertir com o sofrimento animal em praça pública – ou privada?
O toureiro – Mas minha senhora, qual sofrimento?! É que vocês agarram-se a esses mitos urbanos e não despegam! O toiro gosta, o toiro ADORA aqueles momentos solenes, em que invoca toda a força dos seus antepassados para fazer o que sabe fazer: estraçalhar o seu oponente, se o deixarem. O toiro ama a toirada, ponham isso na cabeça, por Deus!
TZ – Mas o touro não quer atacar, ele é exposto a um hórrido jogo de provocação visual e física para que ataque, e de forma lúdica, para gáudio da assistência e dos intervenientes humanos.
O toureiro – Oh, céus, o que tenho de ouvir. Gáudio, minha senhora?! Que Deus lhe perdoe. Sabe quantos toureiros já perderam a vida durante a sua missão, ou ficaram incapacitados? De missão, de sacrifício se trata, é espinhoso, mas é tudo minha senhora, é tudo, é o sangue a escorrer, a rebrilhar, o animal a arfar, a bandarilha a dançarinar, a pega, o aplauso, a lágrima. Gáudio! Missão, minha senhora, missão!
 
 
A desconectada
TZ – Boa tarde! Será que pode dar-me aqui uma resposta rápida? A pergunta é: os animais têm direitos?
A desconectada – Boa tarde. Sim, já têm, não é? Acho que li ou vi numa reportagem ou assim…
TZ – Estilo decreto?
A desconectada – Não quero mentir mas parece-me que sim, que se decretou qualquer coisa, que têm direitos, ou que não são coisas, ou que também pensam, uma coisa deste género.
TZ – Nesse caso, e como hoje se comemora o dia mundial do Animal, o que é que acha de continuarmos a utilizá-los como se coisas fossem para comida, bebida, roupas, sofás, sapatos?...
A desconectada – Ai é o dia, hoje? Desconhecia! Mas usados para sapatos não, agora não é tudo sintético?
TZ – Não mesmo.
A desconectada – Ah….Olhe não sabia.
TZ – E assim para comida, bebida…
A desconectada – Para isso ainda não se pode dar alternativa, é preciso muito mais soja.
TZ – Mais soja?
A desconectada – Sim, até não haver mais soja, pelo menos parece-me que foi o que ouvi num destes meses numa rádio, mas aquilo também não estava bem sintonizado… temos de comer animais.
TZ – Com direitos, consciência, sofrimento animal e tudo?
A desconectada – Ah mas eles já não sofrem nada pois não? Pelo menos…
 
O equilibrado
TZ – Olá boa tarde! Uma questão: sofrimento animal, sim ou não?
O equilibrado – Ora essa, boa tarde! Eh eh, claro que não, não é?
TZ – E animais para comer, vestir, calçar, beber, brincar, sacrificar em arenas?
O equilibrado – Eh lá, aqui já temos muitas camadas de análise, muitas camadinhas… Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
TZ – Mas não resulta tudo em exploração e sofrimento animal?
O equilibrado – Pois mas eu também sofro, e você também…O sofrimento faz parte. Há coisas e coisas.
TZ – Como por exemplo, pode concretizar?
O equilibrado – Por exemplo, o meu bifinho à cavalo (não morre o cavalo, hã, eh eh), que coisa mais maravilhosa! Vou deixar de comer porque morre o animal? Morrem cem mil, morrem cem milhões de animais e de pessoas! O meu queijinho? Ai, ui, a vaca é destratada, vou deixar o meu queijinho e o meu requeijãozinho? Minha senhora, é a lei da vida, não há que incorrer em fanatismos.
TZ – O fanatismo seria, nessa ótica, acabar com toda e qualquer exploração dos animais?
O equilibrado – Pois claro, isso é coisa do Estado Islâmico, qualquer dia tenho o cachaço em ripas por comer o meu queijinho…Cá isso não, que não alinho em extremismo.
TZ – Mas não consideraria extremismo, desde logo, o ato e o pensamento de matar um ser vivo que sente, como nós, dor, prazer, medo, segurança ou insegurança, afeto, stress, alegria, para o comer, quando não precisamos? Temos alternativas com valor nutritivo mais do que suficiente no mundo dos vegetais, como sabe…
O equilibrado – Não sei não que isso não está provado…
TZ – Está está… De cidadãos comuns a atletas de alta competição, a dieta vegan é comprovadamente saudável desde que, naturalmente, combine os nutrientes necessários.
O equilibrado – Minha senhora, tudo o que é demais faz mal, é o que lhe digo. Demais é, por definição, demais.
TZ – Veja este cenário: os animais existem, possuem sistema nervoso central, têm os seus habitats, os seus comportamentos, medos, fadigas, alegrias, famílias. Nós chegamos e, pumba, matamos para comer. Não concorda que este é que é um ato desproporcionado, violento, vil, excessivo? Quando para satisfazer apenas o paladar e o hábito, se mata quem sente como nós? Quando não precisamos?
O equilibrado – Minha senhora, volto a repetir, tudo com equilíbrio. E quem sabe se precisa do meu bifinho ou não sou eu, eh eh. Temos de levar isto também um pouco na paródia…
TZ – Equilíbrio, por exemplo, como dar apenas uma ou duas estocadas em metade do número de porcos que consumimos, ou dar um tiro entre os olhos de apenas um quarto das vacas assassinadas todos os dias?
O equilibrado – Não ponha palavras na minha boca, minha senhora, ora… haja bom senso!...
 
A consciente
TZ – Boa tarde…Desculpe a fraca voz, estou no final de uma série de entrevistas, diria que desconcertantes. O que pensa sobre o direito dos animais?
A consciente – O mesmo que penso sobre o direito dos seres humanos: existe, tem de ser exercido e preservado.
TZ – Quer com isso dizer que concorda mesmo que os animais têm direitos?
A consciente – É tema que não se oferece à concordância ou à discordância. Têm direitos morais integralmente afetos ao seu ser, à sua senciência, à sua infinita capacidade afetiva, de compreensão e de expressão, à sua consciência (tão tardiamente demonstrada, esta última, no Manifesto de Cambridge)!
TZ – A senhora está a gozar comigo? Decorou o texto, ou… Sabe mesmo isso de Cambridge, e defende um tratamento de igual respeito pelos direitos humanos e animais não humanos?
A consciente – Sim, claro, caso contrário estaria a trair as capacidades da minha humanidade, que me trazem entre outras coisas a possibilidade de compreensão fina e detalhada de como funciona o mundo e os seres vivos, a obrigação ética de não fazer outros seres sencientes como eu sofrerem, e a obrigação moral de zelar para que sejam salvaguardados da ganância e da ignorância (forçada) de tantos homens.
TZ – Que encanto poder encontrá-la ao fim deste dia! É vegan, então?
A consciente – Sou vegan e ativista. Participo em eventos de sensibilização, contribuo como posso para a causa animal (dentre causas humanas também), tenho o meu grito e a minha palavra bem presentes e procuro participar em projetos educativos que desde cedo possam veicular todas estas ideias tão simples mas tão difíceis de absorver por uma sociedade imbecilizada, dorida e doente. Ser vegan é mesmo o mínimo.
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Nunca haverá um feliz dia do Animal até haver companheiros não humanos sujeitos a abandono, escárnio, matança e atividades criminosas como lutas de galos, touradas e afins. Ter isso presente determina a evolução ou a marcha à ré da nossa humanidade. Posicione-se, leitor, porque só fecha os olhos quem quer. E o coração é ainda mais duro de fechar, quando se sabe, pensa e sente.

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