sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Gato, bombeiros e um bairro a assistir

Tenho andado em tantas múltiplas atarefações - e, ok, amiúde preguiça -, que procrastinei indevidamente o relato de um episódio real, passado no meu bairro umas semanas antes das férias.
 
Vinha eu a chegar do trabalho quando, já próxima da minha rua, avisto um senhor de cabelo para o compridote, tipo Beatles, em estranha posição. Pensei de imediato que aquela pose daria uma fotografia tremenda, já que de onde estava o via de cócoras, mas com o corpo cortado, se é que me entendem. Avanço e, quando chego junto do vizinho, paro para perceber.
 
- Pssssiu, comidinha da boa, anda cá - chamava o senhor.
 
Lá inquiri do que se tratava, tipo alcoviteira-desocupada-auxiliadora-melga. Sucedera que o seu gato, apanhando a janela do rés-do-chão aberta, voara para a rua, postara-se debaixo de um carro ali estacionado, e nem à lei da bala aceitava tornar a casa. Nem paté, nem psssiu psssiu, nem as eventuais saudades a tomar posse daquele corpinho teimoso, rien. Sugeri que pusesse o caixote do lixo junto à janela, para facilitar a subida do diabinho, mas qual o quê. Nem caixote, nem "comidinha da boa", nada. Entretanto, o senhor já estendido no chão, quase com a cabeça debaixo do carro, e o estuporzinho imperial.
 
Deu-me pena, o senhor preocupava-se pois em breve a sua companheira chegaria e saberia que o mimoso gatinho se tinha auto-expatriado para a rua. Logo entendi por que razão o vizinho não o arrastou por uma pata: a bicha era de rancores, fazia faaas e fuuus zangados, e disse-se que arranhava. Pessoalmente não sou a maior fã de gatos do mundo, e tenho horror às suas potenciais arranhadelas e aos seus bufares sinistros. Mas o certo é que estava desolada por não poder ajudar. Disse ao vizinho que ia ligar ao gatil municipal, para nos ajudarem.
 
Fui para casa procurar o número, nada. Tive de telefonar à PSP do bairro que, sempre querida, me facultou o número desejado. O gatil que não tirava gatos debaixo de carros, apenas os recolhia a pedido...Excerto da conversa.
 
Gatil - Pois é que nós isso não fazemos...
 
TZ - Pois mas coitadinho já viu, saiu pela janela e os donos estão desesperados a querer que volte para casa, e está a fazer-se noite.
 
Gatil - Se ele estivesse no telhado, por exemplo, recomendava que chamasse os bombeiros, mas eles assim não vão.
 
TZ - Pois, mas vai dar no mesmo, não é? No telhado ou na rua, ele vai ficar sozinho à noite...
 
Liguei para os bombeiros. Fiz o choradinho do gatinho coitadinho perdidinho na ruazinha na quase noitinha. Eles foram mesmo muito compreensivos e gentis, e disseram que viriam. Agradeço muito e volto para a rua da cena gatídea.
 
Entretanto, já havia umas três pessoas na rua, a acompanhar o desdobramento físico-persuasor do vizinho para tirar o gato debaixo do carro. Chamados, vassoura, comida, paté, promessas, nada. Esperámos ainda um bocado, o suficiente para a rua e as janelas circundantes se irem enchendo de gente. Entretanto, os vizinhos em causa tinha a casa para arrendar, e de vez em quando eramos interrompidos por potenciais interessados. Um must see.
 
De repente vimos uma pequena carrinha de bombeiros ao fundo da rua, que virou noutra direção, o que nos deixou preocupados. Liguei para os bombeiros. "Por favor avise os senhores que é na rua X, está bem, é que eles foram para outro lado". Que sim senhor. Lá chegaram junto a nós dois bombeiros simpáticos e com muito boa vontade, e que devem ter achado que seria piece of cake arrancar o demoniozinho do seu reduto inexpugnável. Ah, ah, era o eras.
 
Bufante, lutador, teimoso que nem mil mulas velhas, o facto é que o bom do gato nos mantinha a todos em sentido, e cá por mim só esperava não acabar desfigurada por me meter em aventura alheia. Mas como alheia? Vizinho e seu gato em perigo, o problema é de todos. E como! Bem, os bombeiros concluíram que o bicho era danado, voltaram à carrinha e quando vejo enfiavam luvas grossas até aos cotovelos, e capacetes. Em todo o derredor, entretanto, o bairro vibrava com aquele aparato ,com as janelas de vários prédios cheias de gente a observar o cenário. Já deviam ser umas 7 ou 8 pessoas, eu incluída, atrás do mavioso miauzinho, que só abria a boca para escarrar ameaças. De um lado, uma vassoura acicatava o bichano para um lado, do outro, o bombeiro tentava, muito a medo (e justificadamente), atraí-lo. Concluiu-se que o caso era sério, os bombeiros voltaram à carrinha e trouxeram uma grande rede. O método, entre o estudado e o repentista, consistia em afugentar o gato de um lado para o outro, a ver se saía debaixo do carro sendo, num ápice, artisticamente tolhido pela dita rede. Num repente já estou eu a segurar na rede de um lado, e o bombeiro no outro. Mas qual gato! A mangar escandalosamente de nós todos, ainda nos fez andar de carro em carro, e finalmente do outro lado da rua, já que se fartou da brincadeira e fugiu.
 
Teorias sensatas, preocupadas e exaustas desenhavam-se no ar da noite que entretanto se consumara: que o melhor era manter a luz do andar ligada e sairmos dali para não o stressarmos mais; que ele quando se visse sozinho teria uma epifania e veria que o seu lugar era em casa, etc.. Não sei quantas horas passei nisto. Só sei que entretanto, com várias pessoas envolvidas, horas transcorridas, o insucesso dominante e o meu próprio cansaço, me despedi, desejando boa sorte. Antes de chegar a casa ainda um cãozinho mínimo se vira para mim a ladrar, ao que eu digo ao dono "Ai, por favor, hoje não, olhe que estou à horas atrás de um gato", e logo ali se delineia mais uma conversa, alargada depois a uma outra vizinha (e eu não conhecia ninguém e esta é uma das maravilhas do meu bairro), sobre a rocambolesca aventura.
 
Espreitei pela janela bastante tempo depois, e a carrinha dos bombeiros ainda lá estava à esquina. Incansáveis, sensíveis, e ali a colaborar para ajudar um gatinho teimoso a voltar para os seus donos. Espero que tenha tudo acabado em bem. Se voltar a ver o vizinho, pergunto e conto.

2 comentários:

Pagu disse...

Sem comentários.

Comigo tinha saído na hora.

Nada como um puxão que lhe arrancasse as patas para ele perceber quem mandava ali.

Comidinha da boa.....ahhahahhahaha

Tamborim Zim disse...

kkkkkkkkkkkk N, n, era uma fera bravia do pior!