quinta-feira, 20 de outubro de 2011

E sei que vou encontrar e gostar muito

Mouchette (Robert Bresson). Nadine Nortier (foto).

Há pessoas, cidades, cheiros, sabores, paisagens com que esbarramos inopinadamente e que, de inesperados, passam a inesquecíveis com a mesma naturalidade com que os encontrámos. Isto inclui os dóceis e fundos labores artísticos. A sensação maravilhosa de dar de caras com umas linhas ao acaso, num livro que nos cai fortuitamente nas mãos, de um autor para nós desconhecido, feita de uma quase imediata emoção de proximidade, até intimidade com o que se lê, é dificilmente exprimível. Claro que o mesmo pode aplicar-se a toda as outras artes. À Sétima, por exemplo.

Quantos filmes, actores, realizadores (os escritores dos filmes, como lhes chamo, não por necessariamente ser seu o argumento, mas porque são os seus olhos e a sua sensibilidade que fazem aquele filme ser precisamente o que é e não outro), não viemos a conhecer com excitação genuína sem andarmos à sua procura? São, para mim, as melhores descobertas, essas que não vieram de uma actualizada e bem-intencionada leitura de uma crítica, de uma enciclopédia ou da assistência a um seminário, mas que vivem no acaso dos nossos passos, de uma curiosidade qualquer, de um olhar inicialmente sem nenhum entusiasmo mas que logo depois, para própria surpresa da íris, ganha um interesse brilhante por aquela pérola que lhe surgiu em frente, sem programas nem promessas de acontecer.

(Eu sei, sou uma inaturável matrona.)

Tudo isto para dizer que ando em demanda da versão legendada em português do filme Amor e Morte, do Robert Bresson, pois passou há uns dias na 2 e fiquei presa às imagens, às sombras, aos sóis deste filme a preto e branco, ao rosto inefável da protagonista. Mouchette, no original. Vi os escassos momentos do final e sei que quero presenciar muitos, muitos mais. Acho que ganhei um novo amigo cinematográfico. São estes pequenos-gigantes grãos de prazer, com desenvolvimentos futuros de experiência estética e de uma nossa coisa, não catalogável sequer, que constituem, a meu ver, a meu ler, a meu digitar, uma das grandes delícias de estar vivo.

Por outro lado, a Alegoria da Primaverve faz hoje um mês. Outro feliz encontro - menos inesperado, mas muito prazenteiro. Muito obrigada a todos os leitores e comentadores (o Jornal O Inimaginável que não nos ouça) pela companhia! Com muitos, sei que será um súbito esbarrar. E que bom seja.

2 comentários:

Vânia Duarte disse...

sabes é das coisas que mais gosto de fazer, ganhar inspiração no trabalho dos outros- Todos os dias viajo por imensos sites, muitos nada a ver directamente com o que faço, mas há sempre uma textura, uma linha ou uma cor que me chamam a atenção. Acontece-me o mesmo nos filmes, principalmente nos de Terrence Mallick, que me conseguem sempre transportar por viagens criativas gigantescas. Enfim é bom termos os olhos abertos ao mundo e vermos as coisas com olhos de ver:-)

bom domingo***

Tamborim Zim disse...

Olá Vânia, bem-vinda (ou boa passagem;)).
É realmente magnífico termos a disponibilidade necessária p apreendermos coisas novas e p nos surpreendermos. Assim se colore e tempera a Demanda.
Um óptimo domingo.