Na mesma barca |
Na madrugada de sábado, eis que uma incendiária discussão fez com que vizinhos de vários prédios se reunissem à janela. Chamámos a polícia, e o mesmo devem ter feito várias pessoas, uma vez que pelo menos dois carros de polícia acabaram por se encontrar na rua. De um carro sairam incontáveis agentes de autoridade que entraram num edifício próximo. Minutos depois os polícias dos dois carros, um bom magote, já confraternizavam todos, com paródia e boa disposição madrugadeira. Lá aferimos que a acesa "troca de ideias" se reportara a um "arrufo de namorados" com agressões, e que o caso estava a ser tratado pela esquadra do bairro. A este passo, meus caros, é bom notarmos que a moral máxima da história é: denunciar. Qualquer tipo de violência não é um problema dos outros, é nosso também. Por isso não sejam cúmplices e denunciem.
Mas tudo isto para voltar ao início (e não é aí que voltamos sempre?), ou seja: a humanidade anda tresmalhada por demais. Os carros emitem, meras latas comandadas, as guinadas de ódio, desespero, frustração de cada condutor, as discussões são armas de arremesso, toda a gente se sente no direito de gritar, agredir, expor a sua vida, humilhar-se e aos seus, assustar as outras pessoas, atirar-se para o buraco das "causas" exasperadas.
Outros, aparentemente ainda mais alheados do que aqueloutros, falam sozinhos pela rua, apanham tralhas, guinxam impropérios, gritam teorias. Ah, nunca é demais invocar a mesma (sim, essa) sexta-feira: ao Chiado, um senhor com headphones clamava com ares apocalípticos que "ninguém é de ninguém, jovens, ninguem é de ninguém!), e eu não percebi se ouvia o João Pedro Pais, ou se ali erigia com toda a gravidade a sua teoria solipsista do ser.
Quantas loucuras ecoarão nas paredes de cada lar? Que dramas de penúria, de insatisfação, de aperto, não presenciarão tantas casas? Qual a distância entre o desespero e a desistência, e quanto custará que cada pessoa em dificuldades sinta e entenda que a esperança e a capacidade de a regenerarmos não têm valor estimável e que são de todos nós? Que estão cá dentro, por trás das sombras e do negrume e das recordações e do cansaço?
Que será de nós? De nós, a quem nenhuma banca pode salvar, a quem nenhuma entidade nacional ou supranacional pode tirar da falta de forças e da tristeza letárgica que conquista o mundo e pretende toldar as nossas gentes? Quando será que finalmente nos tornaremos sintónicos com o nosso coração, o único recurso capaz de nos Humanizar e de vencer a treva, a confusão, o egoísmo, a violência, a perdição?
Convençam-se: é essa a cura que cada um tem de operar em si mesmo, sendo também de cada um a responsabilidade de ajudar o seu próximo a curar-se.
É esta a Hora. A grande aventura.
2 comentários:
As pessoas andam amalucadas sim. Eu ando maluca, simmmm.
O mundo é doido e aqueles que apanham tralha nas ruas são os mais sóbrios de todos nós. Pelo menos, não se curvam aos pequenos poderes que, cada vez mais, dão asas aos devaneios e prepotências dessa gente miserável.
A culpa sabemos bem nós de quem é. Estão todos no Palácio de S.Bento. Se alguém quiser e se oferecer, tentarei convencer alguém que mora lá perto, a alugar uma janela para a bazucada final....e fatal, anseio eu.
Cazuza, inspirado como sempre, cantou "vamos pedir piedade, Senhor, piedade, para essa gente careta e covarde".
Eu não sou tão boa assim. Vamos pedir responsabilidade e cabeça no cepo. Isso sim. Até afago o estômago a sonhar com a ideia das cabeças a rolar pela calçada abaixo....hum....que coisa boa....
Porque Tamborim, a linha que divide o desespero da desistência é cada vez mais ténue e só Deus sabe a que duras penas subsiste.
Olha, está de chuva...posso reclamar a quem, hein?
"O mundo é doido." De génio, Pagu, do génio que és!
Mas não esquecer, por favor não esquecer que entre a cazuziana piedade e o rolamento de carolas pela calçada há uma distância confortavelzinha. Sem sangue, sem violência, let's "make the difference" q é isso q quem n tem moral n faz.
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