Tão fofinho que até cansa. |
Em berço, princípios, valores, sofisticação, nível. Amiúde, quase parece que todos estes vocábulos, uns mais estimados do que outros, cabem no mesmo cestinho florido da perfeição. Mas não, diria, mas não.
Não deixo de achar confrangedora a evocação permanente de coisas como "berço". O que é o "berço"? Alguém nascido de pais abastados, social e culturalmente considerados, tem o dito "berço"? Se o nascimento for financeira, social e culturalmente humilde, já o não tem? Que berço maior teve o que nasceu na manjedoura, minha gente!
O que é ser sofisticado, etéreo leitorado? Será alinhar com a carneirada na profusão de conceitos que parecem cair bem e marcar com criterioso aprumo quem os utiliza com uma pseudo-unção de superioridade? Será, finalmente, alimentar e produzir conteúdos menos originais do que poderiam, menos críticos ou radicais (de raiz, de raiz, repito) do que poderiam? Ser sofisticado é ter um grau académico muito avançado, como um Doutoramento? Não o ser é ter a 4ª classe, ou primeiro ciclo, ou como se diz? Ser sofisticado é ter a roupinha da moda ou do discutível bom gosto? Ser sofisticado é posar como se fossemos sofisticados? O que dizer da sofisticação das nossas ideias, das nossas produções únicas, realmente idiosincrásicas, das nossas atitudes e defesas, do nosso passeio por aqui? Ser sofisticado é falar vinte línguas mas não ser especialmente votado à literatura, às artes, ao pensamento demandante, filosófico ou não, ou ser um leitor atento, cocriador, apaixonado, lendo numa só?
Tenho nível se for médica cirurgiã, de preferência rica, mas não o tenho se vender numa mercearia? Se as minhas roupas forem simples e já muito usadas, mas o meu interior estiver em constante renovação, reciclagem, luta-livre esperançosa, já sou chã e sopeira? E mesmo que o meu interior esteja gasto também, como as roupas que uso, já o meu valor é pouco?
Se, sobretudo, o nosso coração for rico, ginasticado, amplo, bom - precisamos de adereços como dinheiro, canudos, espalhafato e esforço insano para parecer o que não somos? Ademais, é-se o que se não é porque genuinamente se aprendeu a amar conceitos, objetos, vivências, mesmo que não nos tenham sido sistematicamente injetados desde o "berço"? O que é ser? Lembrem-se das sábias palavras de Sartre, quando dizia que "a existência precede a essência". Naturalmente, a essência é também ela construto, progressão, evolução, inflexão - e tantas vezes como, e quanto!
A classe nunca terá uma classe. Nunca.
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